Fístula

. Fístula obstétrica

mulher grávidaA doença que atira as mulheres para o isolamento

Além do risco de morte durante e pós parto, mulheres e adolescentes de países em desenvolvimento, sofrem de problemas de fístula obstétrica, uma lesão grave entre a bexiga e a vagina ou entre o reto e a vagina, provocada por um parto demorado, obstruído e sem assistência médica e que afeta, segundo as previsões da Organização Mundial de Saúde, dois milhões de mulheres só em África e Ásia. Os números globais ainda estão por apurar.

Texto: Carla Amaro / Fotografias: OMS

As mulheres e raparigas dos países mais pobres enfrentam problemas de saúde materna gravíssimos, entre os quais, a fístula obstétrica, que continua praticamente desconhecida (ou ignorada), mas também erradicada em muitos dos países com adequados cuidados de saúde. Pela sua gravidade e dimensão, devia ser tudo menos ignorada, pois muitas mulheres que não morrem durante o parto, desenvolvem enormes lesões resultantes de partos complicados, excessivamente demorados e sem assistência médica adequada.

Para as mulheres feridas, além das dores horrorosas – durante o trabalho de parto, que pode durar dias, a cabeça do bebé comprime e destrói os tecidos pélvicos da mãe, interrompendo o fluxo sanguíneo nesta área e em pouco tempo estes tecidos morrem, deixando um orifício grande entre a vagina e a bexiga ou entre o reto e a vagina, tendo como resultado a perda constante e permanente de urina ou de fezes -, as consequências desta doença são devastadoras, não só pela perda (potencial) dos filhos como pela rejeição social e isolamento a que são votadas: nove em cada dez bebés não sobrevivem a partos prolongados/obstruídos e muitas acabam por ser abandonadas pelos companheiros, pela família e pela comunidade, que não aguentam o odor constante a urina e a fezes. E o pior é que a maioria destas mulheres nem sequer tem acesso ao tratamento, que passa exclusivamente pela intervenção cirúrgica.

Este foi um dos temas em destaque na Conferência Internacional sobre Saúde Materna e Neonatal, que decorreu na cidade do México de 18 a 21 de Outubro, onde estiveram presentes médicos especialistas, enfermeiras e políticos de todo o mundo, que não se cansaram de salientar que a fístula é um indicador de desigualdade e pobreza. Muitos países simplesmente não têm condições de ter centros bem equipados e com funcionários treinados onde as mulheres com partos obstruídos possam ter um parto por cesariana. A falta de estradas e de sistemas de transporte que permitam às mulheres alcançar um hospital para apoio de emergência agrava a situação. De resto, há no mundo poucos centros especializados que se dediquem à cirurgia reconstrutiva de fístulas e aos cuidados da saúde destas mulheres. Acresce que, na maioria dos casos, as mulheres em situação de pobreza extrema que não têm dinheiro para pagar a cirurgia.

Nível de sucesso da cirurgia acima de 90%

O tratamento de uma fístula obstétrica pode ser difícil, mas nas mãos de cirurgiões e cirurgiãs experientes, o nível de sucesso é acima de 90% e apenas com uma única operação, que consiste em fechar o orifício criado durante o longo parto e fazer a bexiga voltar ao seu funcionamento normal. “As mulheres mais pobres têm muito mais dificuldade em aceder a esta cirurgia e a outros cuidados de saúde alta qualidade”, afirmou uma das cirurgiãs presentes no encontro, a norte-americana Lauri Romanzi, que dirige o projeto Fistula Care Plus.

Para esta médica, “todos os casos de fístulas obstétricas, que estão na origem de outras, como as fístulas reto-urinárias iatrogénicas, poderiam ser evitados com assistência médica qualificada, o que não acontece em “muitos países africanos e asiáticos em desenvolvimento”. E quando existem médicos/as presentes durante o trabalho de parto, muitas vezes, acrescentou Romanzi, “são inexperientes, sobretudo na realização de cesarianas”. O aumento no acesso à cesariana feita por profissionais de saúde não qualificados tem aumentado o número de fístulas reto-urinárias iatrogénicas: “Estas fístulas são involuntariamente causadas por prestadores de cuidados de saúde sem experiência, que são literalmente ‘atirados’ para situações complicadas com muitas pacientes”.

As observações de Romanzi vão, de resto, ao encontro do que enfatizou o cirurgião holandês Thomas Raassen, um dos mais conceituados especialistas na suturação de fístulas e fundador da organização sem fins lucrativos Operação Fístula, segundo o qual, “durante os últimos dezoito anos, mais de 13 por cento das fístulas em 65 hospitais da África Oriental e da Ásia foram iatrogénicas”.
A solução? Tanto Romanzi como Raassen garantem que passa pela “melhor formação dos médicos” (alguns recebem apenas “dois meses de instrução”) e defendem que as equipas devem realizar cesarianas sob supervisão antes de serem enviados para hospitais”. No entanto, esse problema não é apenas resultado de cesarianas mal feitas. Com base em dados do Centro Nacional de Fístula do Bangladesh, o cirurgião Nazmul Huda, que também faz parte do projeto Fístula Care Plus no Bangladesh, afirmou que “em três grandes hospitais do Bangladesh, entre 2012 e 2014, 27% das fístulas foram iatrogénicas, mas três quartos foram causados ​​por histerectomias de má qualidade”. Ou seja, a falta de acesso a cuidados de saúde de qualidade estende-se pela vida inteira de uma mulher nos países mais pobres do mundo.

Já o médico nigeriado Sanda de Ganda, do Hospital Nacional de Lamorde Niamey, do Niger, destacou os casos de fístula causados pela violência sexual e pela mutilação genital feminina, que, no seu entender, podem ser consideradas fístulas iatrogénicas. E aqui, os fatores culturais são os principais responsáveis. É que em alguns grupos étnicos é costume as raparigas casarem cedo, o que, por si só, aumenta o risco de partos obstruídos. E quando a mãe não cresceu o suficiente, explicou Sanda de Ganda, “a pélvis também não se desenvolveu o suficiente para o bebé nascer normalmente”. O especialista nigeriano não acabou a sua intervenção na Conferência Internacional sobre Saúde Materna e Neonatal sem antes alertar para a necessidade de acabar com a pressão que algumas culturas colocam nas mulheres grávidas para que tenham um parto domiciliar: “As que vão a um hospital são frequentemente consideradas fracas ou anormais. Então preferem sofrer um parto obstruído em casa. A circuncisão feminina, quando praticada na forma severa de infibulação, pode causar cicatrizes terríveis que levam ao parto obstruído”.

Catarina Furtado abraça esta causa

Desde 2003 que está a decorrer em 49 países da áfrica, Ásia e região Árabe uma campanha internacional para eliminar a fístula obstétrica, Lançada pelo Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), concentra-se na prevenção, tratamento e reabilitação desta lesão que tem consequências devastadoras para as mulheres, que acabam por sofrer em silêncio e em isolamento completo. Uma das embaixadoras de Boa Vontade do UNFPA para esta causa é a atriz e apresentadora Catarina Furtado.

Perfil das mulheres com fístula obstétrica

fistula incontinence

A maioria das mulheres com fístula obstétrica:

  • Vive nos meios rurais, longe de unidades de saúde;
  • Tem menos de trinta anos;
  • Casa-se e engravida muito cedo;
  • Tem baixa escolaridade;
  • Desconhece os métodos de prevenção da gravidez;
  • Tem muitos filhos (em Moçambique, por exemplo, a taxa média de fecundidade é de seis filhos por cada mulher com fístula obstétrica).