. É urgente fazer uma reflexão sobre o que se pretende para a Cooperação Portuguesa

Fotografia de Patrícia Magalhães Ferreira“É urgente fazer uma reflexão sobre o que se pretende para a Cooperação Portuguesa, qual a visão estratégica que se quer implementar e criar condições efetivas nesse sentido”.

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Nome: Patrícia Magalhães Ferreira

Atividade profissional: Investigadora e Consultora

Aprendizagens e desafios

Aprendizagens, desafios e conquistas na defesa e promoção dos Direitos Humanos e Desenvolvimento em Portugal: Se olharmos para os últimos 40 anos, o país está irreconhecível, pela positiva. A diminuição drástica da taxa de mortalidade infantil, os progressos na escolarização e no ensino público, o serviço nacional de saúde, são conquistas que se refletiram de forma concreta no desenvolvimento do país. No entanto, há áreas onde a evolução é ainda muito lenta, como a justiça, e outras onde houve retrocessos recentes, como o emprego, com consequências concretas no dia-a-dia e nos direitos. Para além das políticas públicas poderem (e deverem) ser um incentivo em prol dos direitos humanos e do Desenvolvimento, há ainda muito a fazer no campo das mentalidades e atitudes: quando vemos as manifestações extremadas de rejeição relativamente aos refugiados que chegam à Europa, é inevitável questionarmo-nos de onde vêm essas posições, particularmente num país com uma percentagem tão grande da população a viver no exterior. Acho que a resposta tem sempre de passar pela educação de qualidade, por educar para os direitos humanos, por formar, consciencializar, agir e praticar essa postura no dia-a-dia, nas nossas famílias, círculos de amigos, locais de residência e de trabalho.

Maiores desafios ao pleno exercício da cidadania pelas pessoas em situações de maior vulnerabilidade: A alteração de mentalidades e da consciência sobre os seus próprios direitos. A implementação de políticas públicas, mecanismos e instrumentos que cheguem aos mais pobres e vulneráveis, através de uma abordagem integrada que lhe confira oportunidades de alargarem horizontes, de fazerem escolhas e de construírem uma vida digna.

Maiores desafios aos Direitos e Saúde Sexual e Reprodutiva: O maior desafio continua a ser, e será, a discriminação das meninas e mulheres, em sociedades com enquadramentos mentais e institucionais (muitas vezes até legais), dinâmicas e práticas que valorizam perspetivas masculinas e paternalistas em relação a estas questões. Isso manifesta-se de múltiplas formas e está presente em todas as sociedades – embora com graus muito diferentes consoante os países e as regiões do mundo - incluindo na (não) prioridade que é dada a estes assuntos, tendendo a considerar-se como “assuntos de mulheres”, quando na verdade são temas intrinsecamente ligados às sociedades como um todo. A perpetuação e reprodução dessa desigualdade, por várias vias e atores, é a maior ameaça à promoção dos direitos nesta área.

2015 é o Ano Europeu para o Desenvolvimento. É necessário não esquecer que este não é o ano da Cooperação para o Desenvolvimento, mas sim do Desenvolvimento, ou seja, não se trata de publicitar ações ou projetos da União Europeia, mas principalmente de informar os cidadãos e estimular a reflexão crítica sobre o que é isto do “Desenvolvimento”, o que afinal queremos e podemos fazer para melhorar o contexto atual, como podemos ser de facto e na prática cidadãos globais. Claro que tal também pode (e deve) ser feito através da divulgação das boas práticas, dos exemplos positivos, das histórias que nos fazem acreditar na possibilidade de um mundo melhor. Mas o essencial é percebermos que o Desenvolvimento não é algo direcionado dos mais ricos para os mais pobres, mas algo que nos diz respeito a todos, importante para as nossas vidas e para o nosso futuro comum.

Cooperação Portuguesa

Aprendizagens do trabalho da Cooperação no contexto da lusofonia: A aprendizagem mais importante é a de que não é preciso “reinventar a roda”. Com a grande rotatividade de pessoal nas instituições e nos projetos, parece que acabamos a repetir sempre as mesmas coisas, mas, em muitos casos, o diagnóstico está feito e os caminhos estão estudados. Basta apenas ter a humildade de os querer conhecer, de consultar quem anda nisto há muito tempo e aproveitar as lições para tornar as ações mais eficazes e sustentáveis. A tónica da humildade é importante, que se vê pelo seguinte exemplo: nas dezenas de conferências que organizei, há sempre quem conte a história de como conhece muito bem Angola, Moçambique ou a Guiné, porque esteve lá nos anos 70; mas isso foi há 40 anos! Acho que só agora, com uma nova geração envolvida na área da cooperação para o desenvolvimento – área que se torna cada vez mais tecnicamente exigente e profissionalizada –, se está a construir uma postura mais desempoeirada, sem complexos ou pré-conceitos, sem paternalismos e mais assente na procura de caminhos alternativos às relações doador-recetor que sempre marcaram a cooperação.

Maiores desafios à Cooperação Portuguesa ao nível dos direitos humanos: É encontrar o equilíbrio de sermos coerentes. Entre as teorias e discursos, por um lado, e as práticas por outro, vai por vezes uma grande distância. O caso dos ativistas presos em Angola é um exemplo de como o discurso e a prática nem sempre se encontram, verificando-se uma inércia que prejudica relações tão diversificadas, positivas e profundas como as existentes entre Portugal e Angola, nas mais variadas áreas. Mas os direitos humanos nunca podem ser a “pedra no sapato”, devem antes ser o princípio e a base de toda a ação.

Maiores desafios à Cooperação Portuguesa em termos da Educação para o Desenvolvimento: Um desafio que se tornou ainda mais relevante nos últimos anos é a manutenção e o reforço da Educação para o Desenvolvimento nos curricula escolares. Há um desinvestimento claro, não só derivado da crise mas também de opções na área da Educação. A cidadania global é algo que tem obrigatoriamente de estar presente e que passa pelas escolas, pelas crianças e pelos jovens, porque só assim é possível combater a ignorância que gera ódio, o desconhecimento que gera incompreensão e medo “do outro”. Neste sentido, a nova Agenda Global para o Desenvolvimento Sustentável pode ser uma oportunidade concreta de promover a noção de que o Desenvolvimento é algo que diz respeito a todos nós. A nota positiva é que os jovens estão hoje muito mais abertos a essa humanidade partilhada e a esse mundo interdependente de responsabilidade comum, porque eles já são de facto cidadãos globais em muitos aspetos.

Decisão Política

Papel da investigação académica na decisão política: Há um longo caminho a percorrer para que a investigação académica nas Ciências Sociais se torne mais relevante e útil para as sociedades e para a resolução de problemas concretos, interligando a teoria à prática. É preciso que as Universidades procurem cada vez mais ativamente a partilha de experiências com outros atores, que a pesquisa policy-oriented seja valorizada (por contraponto à investigação sobre temas que não tem qualquer utilidade a não ser a realização pessoal de quem os realiza) e que assumam esse papel de informar a alimentar as decisões políticas. Um exemplo claro é a Coerência das Políticas para o Desenvolvimento, em que, cada vez mais, os decisores necessitam de estudos aprofundados, evidências e análises independentes sobre o impacto que várias políticas e setores têm no desenvolvimento global, de forma a tomarem decisões mais informadas e coerentes.

Papel da sociedade civil na decisão política e monitorização de políticas públicas: É fundamental, principalmente pelo seu papel de watchdog e de responsabilização pelas decisões tomadas e políticas prosseguidas. Para que desempenhe esse papel de forma mais efetiva, precisa, contudo, de fazer um processo de reflexão e diálogo internos, olhando para dentro e alterando o que for necessário para que as suas ações se desenrolem num espírito de maior partilha, de atuação conjunta, de legitimidade e transparência, de forma a serem cada vez mais encarados como verdadeiros parceiros estratégicos para essas decisões e políticas.

Patrícia Magalhães Ferreira - Marcas Pessoais

Fotografia de Patrícia Magalhães Ferreira

Lema de vida:  Preparar-me para o pior, mas esperar (e acreditar) sempre o melhor.

Uma causa: Justiça social.

Uma líder: Chimamanda Ngozi Adichie, pela escritora brilhante que é, mas, principalmente, pela forma como desconstrói os estereótipos e pré-conceitos sobre a cor da pele, o género, a orientação sexual, ou qualquer outra forma de discriminação que condiciona o futuro das sociedades e de tantas vidas no mundo.

Um livro: Mil Sóis Resplandecentes, de Khaled Housseini, porque nos transporta pela história recente do Afeganistão através da história de duas mulheres, mostrando-nos a dura realidade da discriminação, violência, abandono e sofrimento a que as mulheres são sujeitas em algumas sociedades.

Um filme: Inúmeros. Um exemplo: África Minha, visto dezenas de vezes sempre com grande emoção. 

Um desejo: Um mundo menos desigual e com mais paz.

Um compromisso: Não fazer aos outros o que não gostaria que me fizessem a mim. Estender a mão, ouvir, e nunca julgar o outro.