Uma Caixa sobre MGF para profissionais de saúde e trabalho com as comunidades
Profissionais de saúde agora têm mais uma ferramenta de formação para prevenir e tratar vítimas de mutilação genital feminina. Em duas versões disponíveis, impressa e online, a Caixa Pedagógica de Imagens vem contribuir para o trabalho com as comunidades praticantes e para a formação de técnicos de saúde - mais conhecimentos e competências na prevenção e tratamento das complicações físicas de uma prática nefasta que não deixa marcas só no corpo.
Texto de Carla Amaro
A Caixa Pedagógica de Imagens sobre Mutilação Genital Feminina (MGF), apresentada a 23 de Novembro na ESEL - Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, não é uma caixa qualquer. É um importante equipamento de informação e formação sobre os efeitos nefastos da MGF na vida e na saúde física e psicológica das mulheres e raparigas. Não é uma Caixa para sensibilizar, é para formar. E não se destina a todos, o seu público-alvo é exclusivo e confinado aos profissionais de saúde e ao trabalho com as comunidades onde esta prática existe, uma vez que o tratamento da MGF exige atos médicos específicos.
A mutilação dos genitais envolve um leque variado de procedimentos, que, na maioria dos casos, consiste na excisão do clítoris e dos pequenos lábios. Na sua forma mais extrema, implica a excisão da quase totalidade dos órgãos genitais externos e a sutura da vulva, ficando apenas uma pequena abertura.
Atendendo à gravidade das complicações em matéria de saúde física e psicológica das meninas e mulheres, mas também ao impacto social da MGF e o facto de ser crime em países como Portugal e a Guiné-Bissau, a abordagem, a prevenção e o tratamento requerem conhecimentos, competências e formação qualificada de profissionais de saúde incluindo no trabalho de proximidade com as comunidades praticantes.
Deste modo, a CPI em edição atualizada e revista de um original do Burkina Faso a vem responder a uma lacuna na formação dos profissionais de saúde em Portugal, Guiné-Bissau e lusofonia, cujos conhecimentos na prevenção e tratamento das complicações resultantes da MGF são ainda insuficientes, como foi amplamente afirmado por enfermeiras/os e parteiras/os presentes na apresentação da Caixa Pedagógica de Imagens sobre MGF.
Fora do contexto de formação profissional, a CPI é também uma ferramenta imprescindível em sessões de informação e sensibilização com as comunidades praticantes (como sucede já na Guiné-Bissau), “idealmente em pequenos grupos e em sessões de planeamento familiar, saúde infantojuvenil, saúde materna e sexual e reprodutiva, e na formação de técnicos de saúde, educação e outros, mas, sempre por profissionais com conhecimentos e formação específica sobre o tema”, como sublinham as organizações promotoras desta iniciativa, entre as quais a P&D Factor – Associação para a Cooperação sobre População e Desenvolvimento, a AJPAS – Associação de Intervenção Comunitária, Desenvolvimento Social e de Saúde, e o CNAPN - Comité Nacional para o Abandono de Práticas Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança (Guiné-Bissau).
O primeiro estudo em Portugal sobre prevalência da MGF em território nacional indica que mais de seis mil mulheres, com mais de 15 anos, residentes no País, foram submetidas a alguma forma de Mutilação Genital Feminina. No mundo, as estimativas apontam para 200 milhões de Meninas e Mulheres com alguma forma de MGF e todos os anos dois milhões de meninas correm o risco de o ser. A grande maioria das mulheres afetadas vive na África subsaariana, mas a prática é usada também em zonas do Médio Oriente e da Ásia e são cada vez mais frequentemente encontrados casos de mulheres mutiladas genitalmente na Europa, Austrália, Nova Zelândia, Canadá e nos Estados Unidos da América, como resultado da migração de países onde a MGF é uma prática tradicional associada à cultura.
Os casos assinalados em Portugal são disso exemplo. Das 6576 mulheres identificadas, a maioria (5974) pertence à comunidade imigrante da Guiné-Bissau, a que tem maior representação em território nacional. Seguem-se a Guiné-Conacri (163), o Senegal (111) e o Egito (55) – estas são as comunidades de países praticantes de MGF mais representadas em Portugal. Um relatório divulgado pela Direcção-Geral de Saúde divulgado em Março confirmou que em Portugal, entre Abril de 2014 e Dezembro de 2015, tinham sido contabilizados 99 novos casos de Mutilação Genital Feminina em unidades de saúde.
Instituições não devem ficar de fora desta luta
Por não ser generalizada, muitas pessoas tendem a pensar que a MGF é um problema dos países praticantes e das suas comunidades residentes noutros países. Mas não. Como foi frisado na apresentação da CPI, que contou, entre outros e outras, com a intervenção da secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino, “o combate contra a Mutilação Genital Feminina tem de englobar as instituições”. No caso de Portugal, deve envolver “a Justiça, a Saúde, a Educação e a Academia”.
Catarina Marcelino aproveitou a ocasião para lembrar o “esforço e o empenho do atual governo na luta pelo fim da mutilação genital feminina”, apontando como exemplos a campanha lançada no verão nos aeroportos nacionais com o objetivo sensibilizar os viajantes para países onde a MGF é uma prática corrente contra as meninas, raparigas e mulheres; e a avaliação e revisão de vários planos vigentes até ao final de 2017 que abrangem as da MGF e da Resolução 1325 das Nações Unidas sobre mulheres, paz e segurança, da igualdade de género, cidadania e não-discriminação, da violência doméstica e de género, do tráfico de seres humanos, e está a trabalhar em “novos planos para entrarem em vigor em 2018, com abordagens renovadas e alinhados com a agenda global, incluindo um plano de ação na área de intervenção dos direitos humanos das raparigas.”
Mas, mais do que vários planos, a governante defendeu a necessidade de uma estratégia nacional eficaz contra todas as formas de violência, de que a MGF é uma das expressões máximas.
Os efeitos da MGF é devastador, muitas vezes fatal, mas as meninas, raparigas e mulheres não são as únicas vítimas desta prática nefasta. A MGF afeta também as crianças nascidas de mulheres excisadas. Entre o conjunto de várias imagens apresentadas na Caixa Pedagógica, está a de uma “criança recém-nascida de parto normal de uma mulher sem mutilação genital” e a de uma “criança nascida de uma mulher com mutilação genital após abertura da vagina e depois de uma episiotomia”. A primeira criança “saiu muito bem com tom rosado e bom tónus muscular, a sua cabeça está redonda, não deformada e sem nenhuma bolsa sanguínea, hematomas ou marcas”, lê-se no texto que acompanha a fotografia. A criança que nasceu de mulher mutilada “está cansada, a cabeça deformada, e há acumulação de líquido e sangue sob a pele da cabeça, corre o risco de sequelas neurológicas /lesões cerebrais. O parto prolongado e obstruído pode ser causa de muitos problemas para a mãe e para a criança - incluindo problemas de linguagem, motricidade e aprendizagem. Algumas encefalopatias estão relacionadas com o trabalho de parto prolongado e difícil.”
A Caixa Pedagógica de Imagens sobre MGF é primeira edição revista e atualizada em português da versão original produzida pelos Comités para o Abandono de Práticas Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança do Burkina Faso e Guiné-Bissau. A versão portuguesa contou com o apoio da secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, do programa conjunto UNFPA/UNICEF na Guiné-Bissau e é uma iniciativa da P&D Factor, AJPAS, CNAPN.
A versão online da Caixa Pedagógica de Imagens estará em disponível para profissionais de saúde com formação específica, mediante assinatura de Declaração de Compromisso, nos sites da P&D Factor (http://popdesenvolvimento.org/) e da AJPAS (http://www.ajpas.org.pt/). Os pedidos podem ser enviados para: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar. ou para Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar..