. Audição Conjunta - SCI e GT-ILCI - A Convenção de Istambul - Políticas Públicas

Audição Conjunta - SCI e GT-ILCI - A Convenção de Istambul - Políticas Públicas

6 junho 2014

Contributos da P&D Factor-Associação para a Cooperação sobre População e Desenvolvimento

I. Apreciação geral

Para a P&D Factor, a Convenção de Istambul apresenta importantes desafios e oportunidades no contexto do respeito e cumprimento de um conjunto de requisitos associados aos Direitos Humanos das Mulheres ao longo do seu ciclo de vida.

A abordagem e propostas que apresentamos estão, em nosso entender, conforme os principais documentos e compromissos de direitos humanos e artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.

Assim, são dignos de menção:

i. A clara separação entre Violência contra a Mulheres, Violência Doméstica e clara condenação de todas as formas, incluindo da discriminação -a tomada imediata de medidas legislativas preventivas e outras necessárias, não necessariamente judiciais;

ii. O reconhecimento da discriminação por ser mulher como um elemento crucial da convenção e chamar a especial atenção para o empoderamento das mulheres;

iii. Assegurar o direito das vítimas à proteção sem qualquer tipo de discriminação de acordo com o elencado no ponto 3 do artigo 4º;

iv. O reconhecimento da importância de investir em programas e medidas de prevenção e não apenas num quadro legal sancionatório;

v. A introdução de temáticas como os casamentos forçados (infantis e adultos/ diferente do tráfico de seres humanos) e os crimes de honra;

vi. A chamada de atenção para a integração/investimentos na prevenção e combate à violência contra as mulheres e violência doméstica em programas de Ajuda Pública ao Desenvolvimento no contexto da Cooperação Internacional de âmbito bi e multilateral, logo a requerer o envolvimento do MNE, através do Camões-ICL e Direcção Geral de Política Externa, entre outros.

vii. A presente convenção apresenta-se-nos como uma oportunidade relevante para a adoção de um quadro normativo nacional, global, coerente e eficaz em matérias de não-violência e não discriminação sobre as mulheres de todas as idades.

II. Análise de Artigos específicos

Dadas as áreas de intervenção da P&D Factor, analisaremos de forma mais exaustiva alguns dos artigos que se enquadram nas mesmas:

1. Artigo 28.º - Denúncia pelos profissionais, segundo o qual as regras de confidencialidade / sigilo profissional, ao abrigo de legislação interna, não devem constituir um obstáculo à possibilidade de, sob determinadas condições, se apresentar denúncia junto das organizações ou autoridades competentes, na presença de motivos razoáveis para crer que foi praticado um ato de crime grave, abrangido pelo âmbito de aplicação da Convenção, e seja de prever a prática de novos atos de violência graves.

Este artigo vai levar a um conflito entre o princípio do sigilo profissional e o dever de denúncia/ sinalização, questão esta particularmente premente no caso de crimes públicos. Torna-se, assim, necessário traçar uma fronteira para o sigilo profissional, fronteira essa que se deverá situar na promoção e defesa dos direitos humanos de vítimas e potenciais vitimas, também como medida de prevenção.

2. Artigo 37.º - Casamento forçado1 - artigo que visa a adoção de medidas legislativas ou outras, necessárias para assegurar a criminalização da conduta de quem intencionalmente forçar um adulto ou uma criança a contrariar matrimónio.

Dada a natureza desta prática (também chamados casamentos precoces, havendo lugar, em certos grupos, a casamentos combinados/arranjados), seria desejável que na definição dos conceitos (art.º 3.º) constasse também a questão do matrimónio, para abranger todas as relações de coabitação e união, que não se esgotam no casamento ou união civil/formal. Uma vez que não será possível, sugerimos que na explicitação e divulgação da convenção para público em geral e profissionais em particular esta questão seja claramente abordada, de modo a prevenir eventuais ambiguidades.

No caso particular dos casamentos precoces/forçados, estes têm, regra geral, na sua fundamentação as justificações constantes do art.º 42º da presente Convenção, as quais não são balizadas por idades de maioridade civil (18 anos) mas na maioridade social tantas vezes situada na adolescência/puberdade. Baseada em argumentário de cuidar e integração, associada a factores socioculturais e de dinâmicas familiares tradicionais onde o presente e futuro das meninas e jovens depende do casar e ser mãe –frequentemente o “noivo” assegura financeiramente a alimentação e cuidados de educação e saúde da família da e com a menina até ao momento do casamento.

É de recordar a existência da prática de casamentos combinados/arranjados, sem prévio acordo ou consentimentos dos noivos, em alguns grupos de comunidades ciganas (portuguesa) ou roma, mantendo-se, de acordo com testemunhos, a prática do “teste da virgindade” para as meninas e raparigas.

Assim, há outras questões associadas aos casamentos precoces/forçados, mas também combinados/arranjados, como o dote (compra e venda da noiva). É de referir que são práticas frequentes em muitos países com os quais existem laços de cooperação técnica e económica.

3. Artigo 38.º -Mutilação Genital Feminina – visando assegurar a criminalização da MGF.

Na sua alínea a) explicitam-se as práticas a criminalizar: “excisão, infibulação ou qualquer outra mutilação total ou parcial da lábia majora, da lábia minora ou do clítoris de uma mulher”, alínea esta que é transposta para os Projetos de Lei para a tipificação da MGF n.º 504/XII/3.ª (Bloco de Esquerda); n.º 515/XII (CDS-PP) e n.º 517/XII (PSD).

Recorda-se, a este respeito, a definição internacionalmente aceite de MGF, como todos os procedimentos que envolvem a remoção parcial ou total dos órgãos genitais externos ou quaisquer danos infligidos aos órgãos genitais femininos por razões não médicas. Esta definição foi apresentada inicialmente em 1997, pela Organização Mundial de Saúde, UNICEF e UNFPA, sendo reforçada em 2008 por 10 agências internacionais (OMS, UNICEF, UNFPA, OHCHR, ONUSIDA, PNUD, UNECA, UNESCO, ACNUR e UNIFEM).

Os 4 tipos apresentados em 1997, resultado de um melhor conhecimento desta prática, foram, em 2008, divididos em subtipos que melhor definem a realidade documentada:

Tipo I - Clitoridectomia: remoção parcial ou total do clítoris e/ou do prepúcio

  • Tipo Ia-remoção apenas no prepúcio (capuz) do clítoris;
  • Tipo Ib –remoção do clítoris com o prepúcio.

Tipo II – Excisão: remoção parcial ou total do clítoris e dos pequenos lábios, com ou sem excisão dos grandes lábios.

  • Tipo IIa – remoção apenas dos pequenos lábios;
  • Tipo IIb – remoção parcial ou total do clítoris e dos pequenos lábios;
  • Tipo IIc – remoção parcial ou total do clítoris, dos pequenos lábios e dos grandes lábios.

Tipo III – Infibulação: estreitamento do orifício vaginal através da criação de uma membrana selante, pelo corte e aposição dos pequenos lábios e/ou dos grandes lábios, com ou sem excisão do clítoris:

  • Tipo IIIa – remoção e aposição dos pequenos lábios
  • Tipo IIIb – remoção e aposição dos grandes lábios

Tipo IV - Atos não classificados: Todas as outras intervenções nefastas sobre os órgãos genitais femininos por razões não médicas, por exemplo: punção/picar, perfuração, incisão/corte, escarificação, cauterização, entre outras.

Face a esta definição internacionalmente aceite, bem como ao conhecimento de práticas que se enquadram no Tipo IV, como as práticas vaginais em Moçambique (província do Tete)2 é necessário que as propostas legislativas contemplem também o tipo IV. No caso especifico do estudo em referência, as práticas vaginais incluem tanto o alongamento dos pequenos lábios como cortes (incisões e excisões) dentro e fora da vagina.

O Tipo IV carece de estudos mais aprofundados, mas é reconhecida a existência de lesões nos órgãos genitais femininos internos, como as referidas no estudo realizado na Província do Tete, bem como os cortes tipo gishiri (cortes na vagina)3, os cortes tipo anguria (raspagem do tecido ao redor do orifício vaginal), ou a introdução de substâncias corrosivas na vagina para o seu estreitamento.

Assim, a P&D Factor é de opinião que as práticas enquadradas no tipo IV sejam objeto de menção explícita no articulado do crime de MGF, propondo a seguinte formulação:

  • PL n.º 504/XII/3.ª – Artigo 145.º A

1. Quem praticar ou forçar uma mulher à excisão, infibulação, ou qualquer outra mutilação total ou parcial da parte externa do aparelho genital feminino, nomeadamente os grandes lábios, pequenos lábios ou clítoris, [ou cause lesões nos órgãos genitais por razões não médicas], é punido com pena de 3 a 12 anos de prisão.

  • PL n.º 515/XII – Artigo 144.º A:

1. Quem mutilar genitalmente, total ou parcialmente, pessoa do sexo feminino, através de clitoridectomia, de infibulação, de excisão ou de qualquer outra prática [que cause danos nos órgãos genitais femininos], é punido com pena de prisão de 3 a 12 anos.

  • PL n.º 517/XX – Artigo 144.º A:

1. Quem proceder à excisão, infibulação ou qualquer outra mutilação total ou parcial dos grandes lábios, pequenos lábios, [ou cause danos nos órgãos genitais]é punido com pena de 3 a 12 anos.

Em qualquer das propostas, é necessário reforçar a aplicabilidade do artigo referente à MGF para situações ocorridas fora de Portugal, com crianças/mulheres nascidas e/ou residentes em Portugal. É importante não esquecer que quando se fala da realização da MGF em comunidades migrantes, muitas vezes falamos já de 3.ª ou 4.ª gerações de imigrantes e de cidadãs nacionais.

Ao nível da aplicação do crime de MGF, levantam-se algumas questões, de grande complexidade, que, em nosso entender,é preciso ter especial atenção:

Como vai ser feita a prova dos factos, nomeadamente o exame físico aos genitais da criança/mulher suspeita ou vítima de MGF? No Reino Unido, a título de exemplo, crianças que sejam consideradas de comunidades de risco e se sabe irem viajar, são objeto de um exame de características médico-legais antes e depois da viagem, para verificação se foi submetida ou não à prática durante as férias/viagem. Caso tenha sido, os pais são expulsos do país.

Este exame, pese embora seja uma imposição legal que visa prevenir que essa criança veja os seus direitos violados pela submissão à MGF, por outro, não deixa de ser uma violência, na sua intimidade, com valor traumático, com essa mesma medida preventiva. Há, assim, a necessidade de ter igualmente em consideração os direitos das vítimas e potenciais vitimas, naturalmente em situação de fragilidade emocional e psicológica.

Em segundo lugar, como identificar as comunidades de risco? Uma vez que a MGF é específica de grupos étnicos que nem sempre constituem a maioria nos países de origem, como diferenciar entres as comunidades imigrantes desses países quem faz ou não esta prática?

Cite-se o exemplo da Guiné-Bissau, em que a MGF é realizada essencialmente em etnias islamizadas (fulas, mandingas e biafadas) que não são as mais representativas em Portugal. Como destrinçar as potenciais vitimas? Aplicam-se procedimentos de “segurança” para todas as guineenses? O que pode configurar uma forma de discriminação, particularmente das crianças e mulheres, já em situação de vulnerabilidade?

Por fim, alerta-se para a importância de não se limitar a associação da MGF às comunidades guineenses da Guiné-Bissau. Existem outros países com cidadãos e cidadãs seus nacionais a residir em Portugal que podem,igualmente,ser autores/ase vitimas deste crime. Neste ponto, parece-nos que a exposição de motivos do projeto de Lei n.º 515/XII (CDS-PP) deveria acautelar este aspeto.

III. Contributos/ sugestões para a sua implementação:

Neste ponto, a partir da reflexão feita pela P&D Factor sobre a Convenção, consideramos fundamental que na sua implementação sejam consideradas as seguintes questões:

  1. É necessário clarificar quem são as organizações da sociedade civil, organizações não-governamentais e atores não estatais, incluindo quando são adjetivados como pertinentes ou relevantes e de quem depende esta mesma classificação (artigo 9.º).
  2. Clarificar o que entende o legislador por empoderamento das mulheres bem como as ferramentas,recursos e responsáveis que o mesmo implica. Recomenda-se, assim, que sejam implementadas com as ONG iniciativas de formação e outras que se entendam necessárias à sua efetivação, diferente de empreendedorismo.
  3. Importa assegurar que o/os Órgão/s de Coordenação, Acompanhamento, Monitorização, Implementação a constituir ou adequar (artigo 10.º) deverá/ão incluir em situação de igualdade e nos vários momentos e processos OSC e ONG. A presença destas será uma mais-valia dada a proximidade e o conhecimento do terreno, das necessidades e oportunidades existentes para a melhor aplicação do disposto na Convenção. Sendo Portugal o primeiro país da EU a ratificar a convenção, entendemos que devem ser desenvolvidos esforços para garantir a eleição de um/a representante no GREVIO (Art.º66.º) sendo que este/a deverá estar em permanente articulação com os parceiros e entidades que a nível nacional são atuantes no âmbito da Convenção bem como divulgar processos e resultados.
  4. Necessidade de formação intersectorial sobre a Convenção e suas disposições para o seu melhor acompanhamento, contribuindo desta forma para a coerência de políticas e das medidas de política, mas também para uma governação mais articulada e integrada. Assim, dada a abrangência das disposições da Convenção, é expectável que a sua aplicação integre o princípio da coerência das políticas, norteando diferentes áreas/sectores governamentais com políticas públicas integradas e coerentes.
  5. Importância de explicitar alguns conceitos e expressões da Convenção por exemplo: que quando se fala de mulheres se abrange todo o ciclo de vida e quando se fala de crianças (por força da CDC) se fala de meninas, adolescentes e jovens raparigas (ex.art.º 13.º).
  6. Importa reforçar e tornar públicas medidas de prevenção que não assentem exclusivamente no sistema judicial, mas também neste. Para isso propomos:que sejam desenvolvidas iniciativas de Campanha e Informação que visem uma melhor e maior informação e comunicação às potenciais vítimas com indicação precisa de canais e mecanismos de apoio. No contexto da Educação será necessário salvaguardar que os programas escolares bem como os manuais ou outros recursos pedagógicos incluem as preocupações expressas e resultantes da presente convenção.
  7. Inclusão explícita nas cartas de missão de dirigentes e responsáveis de todos os sectores públicos e privados de promover o empoderamento das mulheres e combater todas as formas a discriminação de mulheres em todos os programas soba sua responsabilidade quer técnica quer política. Importância de criação de um quadro ético / carta de conduta e ser explicito para os serviços públicos, privados, OSC e ONG que reflita, entre outras, as propostas da convenção, a clara condenação, medidas de prevenção, sinalização/denuncia e apoio (Ex. Artº 17: contributo para a autorregulação? Atenção à linguagem (Artº40.º(Assédio sexual).
  8. Promover medidas de mobilização e reforço do apoio às ONG de direitos humanos e Direitos das Mulheres para a apresentação de Relatórios sombra regulares, por exemplo no contexto da UPR, CSW/CEDAW e presente Convenção.
  9. O facto de a convenção abranger todas as formas de violência e discriminação sobre as mulheres ao longo do seu ciclo de vida e de todas as origens, reclama a adoção de medidas preventivas (incluindo mudança nos padrões de comportamento: erradicar preconceitos, costumes, tradições e outras práticas....) devem incluir Formação/Informação/ de profissionais, incluindo de Comunicação e Marketing, Juízes/as, Porta-Voz, Assessorias de Imprensa, campanhas e iniciativas IECMC (Informação, Educação, Comunicação para a Mudança de Comportamentos) que tenham em atenção as estereotipias existentes e a sua necessária desconstrução para a efetiva implementação da convenção e legislação associada (incluindo nos Planos Sectoriais), num quadro de igualdade e direitos humanos (Cap III-Prevenção).
  10. Alerta-se para a importância de se implementar/reforçar o uso da linguagem inclusiva nos documentos oficiais, à semelhança do processo relativo à adoção do acordo ortográfico, incluindo a Imprensa Nacional Casa da Moeda.
  11. Quando se abordam as questões culturais e a pretensa “honra” é importante ter em atenção que esta é reclamada em nome da família, mas podemos estar perante diferentes conceitos de família, nomeadamente, de família alargada, que vai para além de ascendentes e descendentes e de atuais ou ex-companheiros/as e ex-cônjuges. Assim, os crimes de honra remetem diretamente para a necessária abordagem do conceito de família (pluralidade de conceitos e modelos) e grupo de pertença. Sabe-se que é nas famílias que acontecem o maior número de abusos sexuais infantojuvenis, maus tratos e violência doméstica.
  12. Propomos que sejam desenvolvidas medidas específicas e programas de apoio a famílias, grupos socioculturais específicos e países com vista à recusa da MGF, Crimes de Honra, Casamentos forçados/precoces/arranjados/ combinados e demais práticas que tenham por base argumentos de cultura, tradição, religião ou outros a estes associados.
  13. A tipificação do crime de MGF deverá incluir, igualmente, as práticas enquadradas no tipo IV, que remetem para lesões tanto nos órgãos genitais femininos externos como internos.
  14. No Projeto Lei sobre Violação e Coação Sexual Projeto de Lei n.º 522/XII/3.ªdo Bloco de Esquerda deve ser considerada agravante no caso de mulher grávida; incluir explicitamente as relações de namoro e alterar “doenças sexualmente transmissíveis” para “infeções sexualmente transmissíveis”.
  15. As mulheres migrantes, refugiadas e apátridas encontram-se numa posição de vulnerabilidade com especificidades que devem ser olhadas. Quando na Convenção se faz referência à pessoa migrante e à pessoa requerente de asilo, seria benéfico e factor não discriminatório a referência à migrante em situação irregular e à mulher apátrida, e quais os mecanismos que entrariam em ação em situações de queixa principalmente de migrantes em situação irregular, não só face à vítima mas face ao perpetrador. Torna-se, assim, crucial para a eliminação de todo o tipo de violência o reconhecimento da situação de vulnerabilidade de migrantes em situação irregular e apátridas em questões de violência doméstica, violência sexual e outras e criar um quadro legislativo que não as puna em caso de apresentação de queixa.
  16. Será desejável uma maior articulação e programas no contexto prisional para agressores de violência doméstica, à semelhança do que existe, por exemplo,para os agressores sexuais em colaboração com a Universidade do Minho.
  17. Para casos de violação e potenciais consequências para a saúde física da vítima, seria importante a existência de kits de violação que incluam profilaxia da infeção pelo VIH (incluída já em contexto de profissionais de saúde) e contraceção de emergência.
  18. Deve ser garantido a todas as mulheres, independentemente do seu estatuto serológico para o VIH, origem, consumos ou saúde física e mental iguais direitos no acesso a serviços de proteção de emergência e acolhimento de vítimas de violência, incluindo a doméstica e sexual. Neste sentido, deve-se pôr fim a considerações ligadas ao número e/ou à gravidade de patologias sofridas pela mulher em necessidade de proteção, pelo menos no acesso a cuidados e acolhimento de emergência, onde o carácter de urgência deve dar prioridade a considerações de sobreposição de patologias e /ou outras.
  19. A importância de assegurar a participação Organizações Não Governamentais, tal como se prevê para as Organizações da Sociedade Civil, nos processos de políticas globais coordenadas (artigos 7º e 8º) e respetiva alocação de recursos financeiros e técnicos, em plena igualdade de estatuto.
  20. Reconhecemos que,a par da transparência e coerência,esta convenção é uma oportunidade para instituir umquadro de conduta ética para os serviços públicos,entidades privadas,OSC e ONG que seja por si só preventivo, mas possibilite também a ajuda e impeça as várias formas de discriminação e violência sobre as mulheres, incluindo o assédio sexual e moral no local de trabalho bem como em estruturas desportivas, religiosas, culturais ou de lazer. Com condenação clara do perpetrador incluindo quando se trata da própria entidade patronal –tecido empresarial português PME, mas não só.
  21. Chamamos a particular atenção das entidades legisladoras e outras com actuação no contexto da presente Convenção que quando se referem pressões ou justificações de ordem sociocultural–religiosa –tradicional estas não só aplicáveis aos crimes de honra ou a práticas como a MGF ou os casamentos(infantis ou adultos) forçados, precoces, arranjados, combinados –questionando padrões e normas sociais de comportamento e atitudes entendidas como identitárias e não apenas de outros (nomeadamente migrantes ou países terceiros), mas também europeia, também nacional (usos e costumes bem presentes na tradição –oral-portuguesa).
  22. Valorização e maximização dos recursos já existentes em matéria de pontos focais de género mas também a melhor adequação, entendimento, conhecimento e articulação de protocolos (incluindo de acolhimento e seguimento de vitimas) por todas as entidades e profissionais de modo a evitar a repetição das perguntas nos momentos de elaboração de anamnese mas também na queixa /na sinalização, bem como aumentar a eficácia na intervenção e recolha de dados, também estatísticos.
  23. No contexto da Coerência das políticas e Cooperação Internacional, o sucesso da Convenção depende em grande parte de questões ligadas à coerência das políticas e das acções dos governos. No caso do governo Português –mas não só -, é fulcral que as posições adotadas a nível nacional se enquadrem e deflictam nas tomadas de decisão portuguesas a nível internacional, devendo-se procurar em qualquer país parceiro um discurso focado também em questões de direitos humanos -e nos fóruns e espaços regionais e internacionais que integra e/ou participa: EU, CE, CPLP, OIM, Conferência e Cooperação Ibero Americana, Nações Unidas (OMS, UNICEF, UNFPA, UNECE, ACNUR, ....). Importa assim, reforçar a presença com vocalização de propostas associadas a boas práticas e avanços no país, sobre as matérias da presente convenção no discurso, prioridades, programas e orçamentos no contexto político e técnico da Agenda de política Externa, nomeadamente no Conselho da Europa, Conselho Europeu, Comissão Europeia,Nações Unidas, Conferência Ibero-Americana e CPLP.
  24. Assim, propomos que a entrada em vigor da Convenção seja de modo a evitar toda e qualquer desvalorização de países (de origem de migrantes), incluindo com base em acordos económicos ou outros existentes e afirme a recusa de agendas atentatórias da não discriminação e não-violência,intencionais ou não. Esta é uma convenção cuja aplicação surge alicerçada no reconhecimento dos direitos humanos no quadro do Desenvolvimento Social. Recomenda-se que no contexto (art.º 62.º) do apoio consolar/embaixadas para vistos de residência, trabalho ou outros e programas específicos disponha de folhetos explicativos sobre as temáticas alvo da presente convenção numa dimensão de prevenção e empoderamento em, eventual articulação com ONG de direitos humanos, locais ou nacionais.
  25. Recomenda-se, que a identificação e eleição de um/a Provedor/a independente e imparcial, reconhecido/a também pelas ONG, para o acompanhamento da presente Convenção.

Lisboa, 6 de junho de 2014

pdfA Convenção de Istambul - Políticas Públicas
Contributos da P&D Factor-Associação para a Cooperação sobre População e Desenvolvimento


1 Os casamentos precoces/forçados consistem no casamento/união de uma criança com idade inferior a 18 anos, sem o seu consentimento, constituindo uma violação dos Direitos da Criança, entre outros documentos internacionais.
Alguns factos (fonte: Marrying too young End Child Marriage, UNFPA, 2012):
• Entre 2000 e 2011, cerca de 34% das mulheres entre os 20 e os 24 anos nas regiões em desenvolvimento casaram-se antes de completarem os 18 anos de idade. Em2010 esta percentagem equivalia a cerca de 67 milhões de mulheres. Cerca de 12% destas (1 em cada 9) estavam casadas ou em união antes dos 15 anos de idade.
• A prevalência do casamento precoce varia substancialmente de país para país e, por vezes, dentro de um mesmo país, variando dos 2% na Argélia a 75% no Níger. Em 41 países, 30% ou mais de mulheres entre os 20 e os 24 anos de idade estavam casadas ou numa união quando ainda eram crianças (ver Anexo I).
• Se nada for feito, nos próximos 10 anos, mais 142 milhões de meninas tornar-se-ão noivas (4 X o n.º de raparigas que frequentam diariamente a escola na América do Norte e Europa Ocidental).

2 Mariano, Esmeralda et al(2011), As práticas vaginais na província de Tete em Moçambique (pesquisa qualitativa e quantitativa), ICRH Ed, Maputo.

3 Esta é uma prática identificada, por exemplo, no Níger, conforme Shell-Duncan e Yva Hernlund (2002).

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