P&D Factor Reconhecimento das OSC nas Políticas Públicas e Financiamento Direto - Célia Lavado - ANIMAR

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ANIMAR logotipo fundo cinzaCélia Lavado é Coordenadora da área da Governança, Igualdade e Cidadania da ANIMAR – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local

. P&D Factor: Tendo em conta que estamos a assistir a retrocessos em matéria de Direitos Humanos nas sociedades consideradas democráticas, incluindo Portugal, e assumindo que as OSC têm um papel de whatchdog, o que considera ser essencial fazer?

Célia Lavado (CL): É importante reforçar a monitorização das políticas públicas, denunciar retrocessos, promover literacia cívica e mobilizar a sociedade para a defesa dos Direitos Humanos. É essencial fortalecer redes de cooperação, pressionar os decisores políticos e garantir a participação ativa das cidadãs e dos cidadãos na construção de sociedades mais justas e inclusivas.

. P&D Factor: Na sua opinião, existe consciência dos Direitos Humanos não realizados e a realizar em Portugal? Que estratégias considera mais eficazes para manter/aumentar esta consciência, visibilidade e trabalho nas/das OSC, universidades e empresas?

CL: Não existe. Muitas desigualdades são normalizadas ou invisibilizadas. Para aumentar essa consciência, é essencial investir em educação para os Direitos Humanos, promover campanhas de sensibilização, reforçar o advocacy das OSC e criar sinergias entre sociedade civil, universidades e empresas para fomentar compromisso e ação concreta.

. P&D Factor: Na sua opinião, uma abordagem interseccional em matéria de Igualdade, Saúde e Direitos Humanos é possível sem incluir os temas da Saúde e SSR, Autonomia Corporal, como e porquê?

CL: Não existe. Uma abordagem interseccional em Igualdade, Saúde e Direitos Humanos sem incluir Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos seria incompleta. Estes temas são estruturantes para a igualdade de género e o bem-estar das pessoas. Excluí-los perpetuaria discriminações e limitações à plena realização dos Direitos Humanos.

. P&D Factor: Tendo em conta que existe uma forte dependência de financiamentos governamentais, levando a que as OSC se financiem através de candidaturas a temas propostos pela agenda oficial, e não aos que integram a sua missão – e que responderiam às necessidades das suas populações-alvo (por exemplo, os financiamentos não abrangem a prevenção primária, educação e informação de que resulta o aumento de Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST), o aumento da Violência baseada no Género (VbG), incluindo violência sexual, dificuldades de acesso aos serviços de Saúde e consultas de especialidade de Planeamento Familiar (PF) e Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG)) – o que pode ser feito diferente e qual o papel das OSC neste cenário?

CL: As entidades devem diversificar fontes de financiamento, fortalecendo parcerias com fundações, setor privado e outras formas de financiamento, reduzindo a dependência de fundos públicos. Devem ainda reforçar a advocacy para que as políticas públicas incluam temas estruturais negligenciados, como a prevenção primária e o acesso universal à saúde. O seu papel passa por monitorizar lacunas, sensibilizar a sociedade e pressionar decisores para garantir respostas eficazes e alinhadas com as reais necessidades das populações.

. P&D Factor: Tendo em conta que os financiamentos privados em Portugal estão mais direcionados para entidades públicas, incluindo as que atuam em matéria de DSR e IG, quais as estratégias e/ou soluções para aumentar a coerência entre o discurso e a prática sobre a importância da sociedade civil?

CL: Algumas estratégias (para aumentar a coerência entre o discurso e a prática sobre a importância da sociedade civil) poderão passar por: Reforçar o reconhecimento institucional das OSC, garantindo o seu envolvimento em políticas públicas e financiamento direto; Sensibilizar financiadores privados sobre o impacto da sociedade civil, promovendo mecanismos de financiamento alternativos; Criar alianças estratégicas entre OSC, setor privado e academia para fortalecer a credibilidade e influência da sociedade civil; Apostar em modelos alternativos de financiamento.

. P&D Factor: De que forma as políticas públicas e as respostas das OSC podem ser melhoradas para promover uma verdadeira IG e respeito pelos Valores/Direitos fundamentais, incluindo a Educação Sexual Compreensiva e Saúde Reprodutiva?

CL: Garantir políticas públicas baseadas em evidência; Fortalecer a cooperação entre Estado e OSC, reconhecendo o seu papel crítico na monitorização e implementação de políticas; Integrar a Educação Sexual Compreensiva nos currículos escolares de forma transversal; Assegurar acesso universal à Saúde Sexual e Reprodutiva, removendo barreiras económicas e sociais; Promover campanhas de sensibilização assíduas; Criar mecanismos eficazes de avaliação e responsabilização.

. P&D Factor: Que mudanças são necessárias para inverter a tendência de que as normas culturais e sociais influenciam a capacidade das mulheres, meninas e jovens para tomar decisões sobre os seus próprios corpos?

CL: Educação e literacia em igualdade de género e direitos sexuais e reprodutivos desde a infância; Aplicação da legislação de forma eficaz; Sensibilização e mobilização social, desconstruindo modelos patriarcais e promovendo modelos de masculinidade positiva; Real acesso universal à saúde sexual e reprodutiva; Empoderamento económico e social das mulheres e jovens; Envolvimento de homens e comunidades na mudança cultural.

. P&D Factor: Que medidas e estratégias concretas recomendaria para empoderar mulheres, meninas e jovens para se tornarem agentes de mudança nas suas próprias vidas?

CL: Educação e formação contínua em direitos, igualdade de género e liderança; Acesso garantido a serviços de saúde sexual e reprodutiva; Programas de mentoria e role models; Criação de espaços seguros de participação; Parcerias estratégicas que fortaleçam redes de apoio e oportunidades.

. P&D Factor: O que considera essencial fomentar – onde e de que forma – para mobilizar mulheres, meninas, raparigas, e grupos com menos visibilidade, para posições de liderança em OSC, cargos públicos e/ou governamentais?

CL: Educação e capacitação em liderança e participação cívica, desde a escola ao ensino superior: Mentoria e redes de apoio para ligação com modelos de inspiração; Quotas e outras medidas de discriminação positiva; políticas de trabalho que se baseiem na conciliação.

. P&D Factor: Como imagina o futuro da sociedade portuguesa em termos de Saúde, incluindo a Saúde Sexual e Reprodutiva, Igualdade e Direitos Humanos nos próximos 10 anos?

CL: Maior acesso e qualidade nos serviços de Saúde; Educação Sexual Compreensiva universalizada; Redução da violência baseada no género; Maior representatividade e liderança das mulheres; OSC com poder de influência para fazer ouvir-se na vigilância a retrocessos conservacionistas em relação aos direitos das mulheres.

Projeto "Lugar e Voz - Agência e Combate às Invisibilidades e Exclusão"

Estas entrevistas, efetuadas no âmbito do projeto "Lugar e Voz - Agência e Combate às Invisibilidades e Exclusão" (financiamento NHC), recolheram os contributos das mulheres na liderança e/ou nos órgãos sociais de organizações da sociedade civil (OSC) nas áreas de ação do estudo do projeto, bem como pretenderam identificar bloqueios, caminhos e soluções que as próprias identificam ao nível da visibilidade e da participação de mulheres nas organizações.