O plano que faltava na saúde sexual e reprodutiva
- Data de publicação 11 outubro 2016
O dia 14 de Setembro de 2016 foi um marco na História dos direitos e da saúde sexual e reprodutiva. Esse foi o dia em que o Comité Regional da Organização Mundial da Saúde para a Europa (RC66) adotou o Plano de Ação para a saúde sexual e reprodutiva. Inovadora e progressista, é uma resolução crucial para alcançar até 2030 a Agenda para o Desenvolvimento Sustentável na Europa. Para que ninguém fique para trás.
Da reunião do Comité Regional da Organização Mundial da Saúde para a Europa (RC66), que decorreu em Copenhaga (Dinamarca) de 12 a 15 de setembro e que contou com participantes portugueses, resultou um compromisso que vem não apenas reforçar a importância mas também completar o terceiro Objetivo dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), que, entre as metas a alcançar, expressa a ambição de “até 2030, assegurar o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planeamento familiar, informação e educação, bem como a integração da saúde reprodutiva em estratégias e programas nacionais.”.
Este Plano de Ação para a saúde sexual e reprodutiva não é só mais um degrau na longa escadaria do muito que há para alcançar ao nível dos direitos e da saúde sexual e reprodutiva, é um documento “inovador, progressista e crucial para garantir os direitos à saúde sexual e reprodutiva e o empoderamento de todas as pessoas”, como explicou à P&D Factor Irene Donadio, a responsável pelos assuntos políticos do IPPF EN - International Planned Parenthood Federation European Network e que acompanhou todo o processo.
Também Graça Campinos Poças, presidente da ONGD portuguesa P&D Factor - População e Desenvolvimento, sublinha a importância deste documento que “confirma uma Europa onde as diferenças e as desigualdades em matéria de direitos e saúde sexual e reprodutiva são realidades que precisam de resposta.” Para Graça Campinos Poças, a equação deste plano é simples de fazer e o resultado claro: “Quando não queremos deixar ninguém para trás, temos de nos centrar nas pessoas, independentemente da sua maior ou menor situação de vulnerabilidade.” Como exemplos, aponta os “países europeus onde as taxas de mortalidade materna, de gravidez adolescente, de violência de género e de infeções por VIH/SIDA, entre outros casos, exigem que os planos nacionais tenham abordagens e recursos articulados e suficientes nas respostas sectoriais e intersectoriais.”.
“Quando não queremos deixar ninguém para trás, temos de nos centrar nas pessoas, independentemente da sua maior ou menor situação de vulnerabilidade.”
Desde a primeira reunião dos especialistas até à adoção do documento passou um ano e em todos os momentos da discussão, diz Irene Donadio, houve países mais entusiastas que outros quanto à assinatura de um acordo sobre um assunto tão controverso como a saúde sexual e reprodutiva. “Devia ser um tema consensual, mas infelizmente não é. Para países como a Turquia, a Polónia e a Rússia, o direito à saúde sexual e reprodutiva não é um direito humano.”.
Questionada pela P&D Factor sobre o que poderá comprometer a execução deste plano, a responsável pelos assuntos políticos do IPPF EN diz que não ficaria surpreendida se estes três países criassem dificuldades: “Eles queriam dissociar-se do documento e nunca se mostraram contentes com os progressos que iam sendo feitos ao longo das reuniões de trabalho.” O plano foi adotado, mas, como acrescenta Irene Donadio, “ninguém vai apontar uma arma aos países que não querem respeitá-lo.”.
Em todo o caso, mesmo que a Turquia, a Polónia e a Rússia façam vista grossa deste documento, para a população e para os técnicos de saúde é muito importante haver um modelo. Porque é isso que o plano é, um modelo a seguir e não apenas uma lista de ideias - além de um levantamento das necessidades, explica o que é que os países podem fazer para melhorar a qualidade de vida das pessoas em todos os aspetos.
Além de um levantamento das necessidades, explica o que é que os países podem fazer para melhorar a qualidade de vida das pessoas em todos os aspetos.
O plano está feito, foi adotado, mas o mais difícil está por fazer. Não bastam compromissos, acordos, tratados e metas impressas em papéis. É preciso ação e é preciso que seja agora. É preciso, como garante Alice Frade, diretora executiva da P&D Factor, que “a educação para a saúde, igualdade e cidadania saia do papel e seja uma realidade se queremos garantir, enquanto país e região, que não deixamos ninguém esquecido.”.
Todas as pessoas e organismos devem ser cooperantes, mas instituições como os “ministérios da Saúde têm aqui um papel único”. E no caso de Portugal, sugere ainda Alice Frade que “a DGS deverá integrar metas e estratégias do Plano de Ação para a saúde sexual e reprodutiva na sua resposta à implementação dos ODS, quer no Objetivo 3 quer no Objetivo 5, além da Agenda 2030 através das diferentes parcerias.” De resto, também enquanto país, Portugal não deve querer ficar para trás. “Temos boas práticas que precisam de ser partilhadas e divulgadas também no contexto europeu, não apenas da União Europeia.”.
Feito na Europa e para a Europa, nada impede, no entanto, que este plano sirva de exemplo a seguir por países de outros continentes. Países que vivem em crise humanitária e conflito armado, onde morrem mais de 500 mulheres, todos os dias, devido a complicações durante a gravidez e o parto. Países como o Botswana, onde as mulheres grávidas que residem em aldeias têm de esperar que uma enfermeira as visite para lhes fazer um chek-up pré-natal. Quando a enfermeira não o consegue fazer, por falta de meios (o que é frequente), as mulheres têm que se deslocar à clínica mais próxima, a dezenas de quilómetros (e se precisarem de mais cuidados de saúde, como uma consulta de planeamento familiar, um rastreio do cancro do colo do útero, ou tratamento para o HIV, elas tinham de voltar outro dia e esperar longas horas para serem atendidas). Países como os Camarões, onde recentemente uma jovem mulher grávida de gémeos morreu em frente a um centro médico porque não podia pagar os cuidados pré-natais de saúde. Países como a Etiópia, onde a maioria das meninas são vítimas de duas práticas nefastas: a mutilação genital feminina quando são bebés e o casamento na adolescência.
Enfim, a lista é infindável, mas o problema, houvesse vontade política, podia ter fim à vista.
Carla Amaro
Plano de Ação para a saúde sexual e reprodutiva |
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Objetivo 1: Habilitar todas as pessoas a tomar decisões informadas sobre a sua saúde sexual e reprodutiva e assegurar que os seus direitos humanos sejam respeitados, protegidos e cumpridos.
Objetivo 2: Garantir que todas as pessoas podem desfrutar o mais elevado nível possível de saúde sexual e reprodutiva e bem-estar.
Objetivo 3: Garantir o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e eliminar as desigualdades.
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