Marisa Carvalho, Presidente do ICIEG – para ter resultados diferentes, temos de fazer diferente
- Data de publicação 24 junho 2024
A Violência baseada no Género (VBG) assume diferentes formas e atinge de forma desproporcional meninas e mulheres. Falamos de violência doméstica, violência e abuso sexual e emocional, violência no namoro e relações de intimidade, assédio e violência no local de trabalho, práticas nefastas, tráfico de seres humanos mas também formas que têm sido potencializadas pelas novas tecnologias e redes sociais. Cabo Verde tem um percurso em matéria de VBG que envolve entidades públicas mas também organizações da sociedade civil, para além de muitos/as profissionais e equipas de voluntariado nacional e internacional.
Entrevista a Marisa de Carvalho, Presidente do Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género (ICIEG).
P&D Factor - Apesar da legislação e do trabalho de diferentes entidades oficiais e organizações da sociedade civil, em seu entender qual a razão para os dados preocupantes da VBG em Cabo Verde?
Marisa Carvalho (MC), Presidente do ICIEG: A nosso ver, o problema da abordagem da VBG, que continua a persistir na sociedade cabo-verdiana, está relacionada com a forte pressão social que ainda é exercida nestes casos, que forçam as pessoas, principalmente as mulheres, a manterem-se numa relação abusiva, desculpabilizam os agressores e normalizam a violência baseada no género.
Ainda existe uma forte resistência para às denúncias, apesar de ser um crime público e muitas pessoas atuarem em consciência, contactando as autoridades, são as próprias vítimas e seus familiares que não querem participar os casos ou que se prossiga com a queixa (o que é ilegal). Ainda é um crime privado, normalizado, com tipologias distintas, consoante os municípios. Nuns existe uma forte dependência económica, entre vítima e agressor, noutros, como na cidade da Praia, a dependência emocional é que dita essa persistência no relacionamento tóxico.
Por outro lado, ainda existem entidades públicas que não assumiram na plenitude a sua responsabilidade nesta temática, assim como ONG’s que não definiram concretamente os seus objetivos nem traçaram um plano de ação consistente e sustentável para abordar esta questão.
Se cada um assumisse a sua responsabilidade nesta luta que é de todos, desde a nível individual, visto que, antes de tudo é um problema comportamental, passando pelas ONG’s, até às entidades oficiais, seria mais fácil trabalhar de forma consistente para eliminar, paulatinamente, a VBG em Cabo Verde.
P&D Factor - No trabalho do Projecto Pilon Di Mudjer e através da formação e sensibilização, foram já identificadas diferentes formas de VBG com um destaque para a Violência Sexual mas também a Violência Doméstica e em contexto familiar. Em sua opinião o que precisamos de fazer?
Marisa Carvalho (MC), Presidente do ICIEG: As diferentes formas de VBG estão bem tipificadas e explicadas na lei especial contra a VBG, o que falta é que as pessoas as conheçam, as identifiquem e as combatam. Temos verificado, não só nos estudos que produzimos e naqueles realizados por outras entidades parceiras, mas também nas ações de sensibilização e de prevenção junto da comunidade educativa e nas comunidades, de que há um grande desconhecimento sobre o que é violência, qual a sua tipologia e, até, sobre o que é aceitável ou não.
A normalização da violência, de comportamentos não saudáveis e de relações tóxicas, infelizmente ainda estão muito presentes na sociedade cabo-verdiana, por isso há que continuar a trabalhar na informação e sensibilização sobre estas temáticas e trabalhar, tal como estamos a fazer, através do Fundo de Apoio à Vítima, na assistência psicológica a vítimas e a seus dependentes, por forma a se quebrarem os ciclos de violência que tendem a reproduzir os mesmos padrões comportamentais prejudicais a uma vivência saudável.
P&D Factor - Se dependesse, exclusivamente, de si quais as medidas que tomaria para reforçar a prevenção na violência com base no género?
Marisa Carvalho (MC), Presidente do ICIEG: Marisa Carvalho (MC), Presidente do ICIEG - Dificilmente conseguiria implementar medidas efetivas dependendo exclusivamente de mim, porque esta temática é multidisciplinar e transversal e é por isso, que muitas medidas não são facilmente implementadas ou não dão os defeitos desejados, porque não se percebe a complementaridade das ações e de que todos os parceiros, intervenientes e indivíduos têm influência e podem ter um papel ativo na sua prevenção.
Contudo, faria o que é o mais difícil que é trabalhar em cada agregado familiar os conceitos e estereótipos de género e em como estes condicionam a vida dos indivíduos. É em casa que se definem e se propagam os diferentes papéis de género e é em casa que começa a desigualdade de género.
A sociedade reflete depois toda essa aprendizagem e vivência familiar. Por isso, gostaria que se trabalhasse mais diretamente com as famílias e nestas, efetuar-se um trabalho específico com os rapazes.
A fórmula tem sido sempre a mesma, e acreditamos que, para ter resultados diferentes, temos de fazer diferente e o trabalho com homens é essencial.
P&D Factor: As pessoas LGBT+ e as pessoas em prostituição são alvo de diferentes formas de VBG. Em sua opinião o que é necessário fazer para enfrentar e prevenir esta realidade?
Marisa Carvalho (MC), Presidente do ICIEG: Não só as pessoas LGBTIQ+ e as pessoas com prostituição, como as pessoas com deficiência, os emigrantes, os ex-reclusos, os retornados, os toxicodependentes e ex-dependente, os idosos, os portadores de HIV. Todos eles fazem parte dos grupos vulneráveis que estão contemplados no Plano Nacional de Igualdade e Equidade de Género, que define as políticas públicas em matéria de género e as ações que devem ser tomadas para combater as desigualdades e os desafios que enfrentam.
Apesar do ICIEG ter sempre trabalhado com a comunidade LGBTIQ+, pela primeira vez num plano de Género temos referência e ações específicas sobre a comunidade, o que se reveste de extrema importância, pois trata-se de um plano que foi apresentado e aprovado em Conselho de Ministros e publicado no Boletim Oficial, consagrando assim esta temática como um compromisso governamental e nacional.
Por isso estamos a trabalhar, com financiamento espanhol, num projeto específico com esta comunidade, para reforço das suas competências e das associações, para que possam ter a sua própria vez e voz. Relativamente a pessoas na prostituição, trabalhamos em parceria com ONG’s e entidades que atuam nesta área.
P&D Factor: Como vê o futuro da igualdade, entre homens e mulheres, na representação e participação em Cabo Verde?
Marisa Carvalho (MC), Presidente do ICIEG: Ainda esta semana foi divulgado o Índice Global de Paridade que coloca Cabo verde como 6º país na África Sub-sahariana e o 41º no ranking global de 146 países. E isto é apenas o que os números dizem, muitos deles que constam no índice já foram até atualizados, o que se fossem levados em conta, levaria a uma melhoria substancial da posição do país no ranking. Contudo, mais do que o ranking, existem as pessoas, e nós, que trabalhamos no terreno todos os dias, que vemos o empenho de ONG’s, ativistas, pessoas verdadeiramente engajadas e comprometidas em proporcionar a mudança, quando vemos jovens a “desnormalizar” a violência e a trabalharem como embaixadores da paz, acreditamos que, apesar dos desafios que ainda persistem, temos todas as oportunidades para podermos, cada vez mais, trabalhar em prol da igualdade e da equidade.
Breve nota biográfica de Marisa Carvalho |
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Licenciada em Comunicação Social e Cultural pela Universidade Católica Portuguesa, pós-graduação em Ciências da Comunicação e Novas tecnologias pela Universidade Nova de Lisboa, Mestre em Relações Internacionais pela Universidade lusófona, Doutoranda em Ciências Sociais na Uni-CV. A actual Presidente do ICIEG é autora do livro “A Participação da Mulher na Vida de Cabo Verde”. Foi durante 15 anos Jornalista de imprensa escrita, em Portugal. Entre as funções que tem assumido destacam-se Professora Assistente na Universidade de Santiago, Diretora do Gabinete de Comunicação e Imagem e Relações Internacionais da Universidade de Santiago, Assessora de Comunicação e Imagem do Primeiro-Ministro Ulisses Correia e Silva, Diretora de Gabinete e Assessora de Género da Ministra da Família e Ministra da Inclusão Social. Diretora de Gabinete do Ministro da Família e Inclusão Social. O Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género (ICIEG) foi constituído a 10 de Janeiro de 1994, como Instituto da Condição Feminina (ICF), e passou a 10 de Julho de 2006 passou a ser designado Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género (ICIEG), como publicado no boletim oficial, I Série, Nº 20. É superintendido pelo Ministério da Família e Inclusão Social. Funciona como espaço de Integração e articulação horizontal das medidas sectoriais do Governo relativos às problemáticas da igualdade de género e do reforço da capacidade das mulheres, coordenando as políticas públicas e contribuindo para a definição de estratégias governamentais. |
Esta entrevista tem lugar no contexto do projecto Pilon Di Mudjer/ Senhoras de Si, um projeto apoiado pela Cooperação Portuguesa e parceria entre a P&D Factor, UNICV, FEM e ACLCVBG.