“A cultura cívica é muito lenta a mudar”
- Data de publicação 06 janeiro 2016
Quando foi líder do PDS, propôs quotas e foi derrotado. Em congresso partidário, voltou a puxar o tema e quase todos, mulheres e homens do partido, o olharam com indignação. Passaram vinte anos e muito mudou, mas Marcelo Rebelo de Sousa ainda se impressiona com “o desfasamento entre a realidade social e o papel político efetivo da mulher em Portugal”. Depois de vários anos a comentar a atualidade, o ‘professor’ regressa à política ativa, desta vez como candidato à Presidência da República.
Entrevista: Carla Amaro / Fotografias: Rui Ochôa
Que papel deve ter a Presidência da República na defesa e promoção dos Direitos Humanos e do Desenvolvimento, quer em Portugal, quer no contexto da Lusofonia?
É uma das prioridades de qualquer responsável político, e, por isso, acrescidamente, de um Presidente da República de um Estado de Direito Democrático e Social, a defesa e a promoção dos direitos humanos, em si mesmos e como condição essencial de desenvolvimento humano. E quando falo em direitos humanos falo não apenas nas liberdades pessoais ou nos direitos de participação social e política, mas também nos direitos económicos, sociais e culturais, sem os quais a liberdade significa, amiúde, desigualdade e é menor a qualidade da Democracia. No caso português, como no do universo que fala o português, crises múltiplas têm convertido esta prioridade em mais urgente, mais essencial, mais inadiável.
E no âmbito da CPLP, cujo secretariado executivo será assumido em breve por Portugal, como entende que deve ser a atuação de um Presidente da República?
A CPLP é uma das vertentes cimeiras da nossa vocação universal de plataforma entre culturas, civilizações e continentes. Portugal vai assumir o secretariado executivo em breve e essa é mais uma razão para que Presidente da República e Governo, que conduz a política externa, conjuguem esforços no sentido de não desperdiçarmos este desafio muito particular.
Ao investimento no multilateralismo se devem muitos dos avanços de Portugal e do mundo. Os contributos por exemplo da OMS [Organização Mundial de Saúde] e do UNFPA [Fundo das Nações Unidas para a População] na área da Saúde foram decisivos. Como avalia o apoio de Portugal às Nações Unidas, nomeadamente para a sustentabilidade do Desenvolvimento e defesa dos direitos humanos?
O Desenvolvimento, inseparável da justiça social corretora das desigualdades, das exclusões, das explorações, exige ações unilaterais, bilaterais e multilaterais. A aposta nas organizações universais ou regionais que têm esses objetivos não pode ser tímida, frouxa, hesitante. Como não pode ser sistematicamente apagado o contributo para o desenvolvimento em termos de percentagem do PIB. Mas, há que reconhecer que muitas das citadas organizações se encontram ultrapassadas e que a comunidade internacional tem de a ajustar a um tempo muito diferente daquele em que foram criadas ou retocadas pela última vez.
Tendo em conta os crescentes desafios para acabar com as desigualdades de todo o tipo, cá e lá fora, que visão tem para as questões relacionadas com População e Desenvolvimento?
É chocante o panorama mundial e regional das desigualdades de todo o tipo. Depois de expectativas favoráveis, anos atrás, de que a situação iria mudar, as sucessivas crises financeiras, económicas e sociais agravaram injustiças, aumentaram guerras, pobreza, fome, migrações forçadas, Estados fracassados, desigualdades pessoais, de género, de idade, de condição social, profissional e local. E, pior do que isso, um espírito egoísta, anti solidário, anti social mesmo, xenófobo e excludente tem vindo a subir de forma preocupante. Muito preocupante. Além de tudo o mais, é um fenómeno cultural grave que não pode ser ignorado ou minimizado.
“Muito mudou, felizmente, nestes vinte anos. Mas, ainda é impressionante o desfasamento entre a realidade social e o papel político efetivo da mulher em Portugal!”
As desigualdades de género continuam a ser muito marcantes, também na esfera pública. Há mais mulheres do que antes na política, é certo, mas os homens são muito mais. No seu entender, por que razão é ainda pouca a participação das mulheres na política ativa?
Tem sido uma luta constante contra uma cultura cívica antiga e resistente. Recordo sempre como, sendo líder do PSD, propus quotas nas eleições legislativas e fui derrotado por uma equipa diretiva, largamente influenciada por mulheres. Achavam que era minimizante o sistema. E, tempos depois, em congresso partidário, anunciei que iria mesmo avançar contra tudo e todos, e, aí, foi a maioria esmagadora de homens a olhar-me com indignação. Muito mudou, felizmente, nestes vinte anos. Mas, ainda é impressionante o desfasamento entre a realidade social e o papel político efetivo da mulher em Portugal! A cultura cívica é muito lenta a mudar!
Até que ponto as questões da igualdade de género e dos direitos humanos devem fazer parte da agenda do Presidente da República?
O mesmo se dirá da igualdade em geral e do respeito de todos os direitos humanos. O Presidente da República tem ainda o poder de controlar a constitucionalidade de leis e atos de administração, por forma a garantir que aqueles valores são, efetivamente, salvaguardados.
Mas qual é ou qual deve ser o papel do Presidente da República na promoção destes temas?
O Presidente da República deve liderar a pedagogia de novas pistas para esse reforço, facilitando a missão do Parlamento e do Governo, sem os atropelar ou se substituir aos respetivos poderes constitucionais. De forma constante e clara, para que as portuguesas e os portugueses entendam e possam apoiar mais abertamente.
Como Comandante Supremo das Forças Armadas, acaso seja eleito, como vê o papel das mulheres nas Forças Armadas?
Como Presidente da República, tanto ou mais do que como Comandante Supremo das Forças Armadas, importa acompanhar atentamente e também salvaguardar o estatuto da mulher no quadro das Forças Armadas Portuguesas. Eis mais um afloramento importante da preocupação global com a igualdade de género, que é, por seu turno, uma dimensão da garantia dos direitos fundamentais consagrados na nossa Constituição e no Direito Internacional a que aderimos livremente.
Quem é Marcelo Rebelo de Sousa? |
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Licenciado em Direito e com uma carreira longa e sólida como professor catedrático, também foi jornalista (dirigiu os jornais Expresso e o Semanário) e, nos últimos anos, ganhou notoriedade como comentador político, primeiro na rádio, depois na televisão. E a par de tudo isto esteve sempre a política. Militante do PSD desde a sua fundação, foi o primeiro presidente da Comissão Política Distrital de Lisboa deste partido, tendo chegado à sua liderança em 1996 (até 1999). Foi deputado, secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros e Ministro dos Assuntos Parlamentares (era Primeiro Ministro Francisco Pinto Balsemão). Em Outubro de 2015 anunciou a sua candidatura às Eleições Presidenciais 2016. |