Entrevista

. “Capacitar e empoderar as mulheres guineenses é a nossa prioridade.”

Eduardo JalóQuer fazer da Associação dos Filhos e Amigos de Farim (Guiné Bissau) um exemplo de associativismo imigrante. E apesar de as dificuldades serem muitas, Eduardo Jaló é incansável na defesa dos direitos dos e das guineenses e seus descendentes em Portugal. Em especial das mulheres, lutando pela paridade dentro da própria associação a que preside e pela igualdade de género no seio da comunidade. Como? Através de apelos contra a mutilação genital feminina, pelo abandono dos casamentos infantis e forçados e pelo fim da violência doméstica.

Entrevista: Carla Amaro / Fotografia: Tiago Lopes Fernandéz

Qual é a missão da Associação dos Filhos e Amigos de Farim (AFAFC)? Em que áreas intervém?

A finalidade da AFAFC é promover a integração dos imigrantes e dos seus descendentes, contribuindo para o seu melhor enquadramento social e comunitário em Portugal; combater a exclusão social, com enfoque nas situações de desemprego, doença e delinquência juvenil; angariar apoios junto de entidades em Portugal para a campanha de prevenção de ébola e de outras doenças na cidade de Farim; contribuir para o desenvolvimento de Farim, estabelecendo contactos junto de entidades oficiais em Portugal, nomeadamente Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, no sentido de angariar outras formas de apoio ao hospital Regional de Farim e às diversas associações e entidades locais. Estamos muito empenhados nestes objetivos, contudo, uma das missões que tomamos como prioritária é apoiar a capacitação das mulheres na defesa e concretização dos seus direitos...

E em que consiste esse apoio para empoderar as mulheres?

Por exemplo, sinalizamos todas situações de discriminação de género e de violência doméstica. E no caso de famílias monoparentais, providenciamos ajuda logística e financeira.

Como sabe, a Guiné-Bissau é um dos países praticantes de Mutilação Genital Feminina (MGF). Há relatos de que algumas meninas guineenses residentes em Portugal são levadas para a Guiné-Bissau para serem excisadas. Qual é a posição da associação sobre a MGF?

Somos totalmente contra. É uma prática nefasta à saúde das mulheres e das meninas, pelo que acabar com ela é outro dos nossos grandes objetivos, assim como pôr fim aos casamentos infantis e forçados.

O que é que a associação tem feito nesse sentido junto da comunidade guineense residente em Portugal?

Temos desenvolvido campanhas de sensibilização, quer nos países de acolhimento, quer nos países de origem. A AFAFC conta com uma equipa de activistas no terreno para chamar a atenção das pessoas sobre esta realidade e creio que tem sido bastante importante a mobilização de todos, mulheres e homens. A prevenção é o mais importante nesta matéria.

A AFAFC apoiou e esteve presente no lançamento da campanha contra a Mutilação Genital Feminina no aeroporto de Lisboa, uma iniciativa da Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade com a P&D Factor – População e Desenvolvimento, outras associações e entidades públicas de Portugal e Guiné-Bissau. Acha que fazem falta mais campanhas como esta?

Claro. A AFAFC vê com bons olhos a organização deste tipo de campanhas, pelo que participaremos sempre em iniciativas do género. Aproveito para louvar e enaltecer o papel que a Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade tem desempenhado nestas campanhas com a mobilização de todos atores envolvidos na matéria. Sabe-se que o período de férias é bastante crítico e por isso temos de estar vigilantes e apostar na sensibilização da comunidade praticante e não só, sobre os malefícios de uma prática tão nefasta para as nossas mulheres e crianças.

“O período de férias é bastante crítico e por isso temos de estar vigilantes e apostar na sensibilização da comunidade praticante e não só, sobre os malefícios de uma prática tão nefasta para as nossas mulheres e crianças.”

Conhece casos de meninas em Portugal que foram levadas para a Guiné-Bissau para serem submetidas à excisão?

Pessoalmente, não conheço, mas já ouvi falar de alguns casos.

Acha que as gerações mais novas de guineenses já têm noção de que a MGF é um atentado aos direitos humanos, uma prática nefasta, perigosa para a saúde das mulheres e das meninas?

Acredito que sim, até porque as gerações mais novas têm acesso a mais informação sobre a saúde através dos jornais, das televisões, da internet, das redes sociais e de outras fontes de informação.

Tem sido difícil vencer a tradição e os mais velhos, os que insistem na sua manutenção?

Há sempre resistências normais nestas situações, mas acho que com o trabalho que nós e outras associações têm vindo a fazer, havemos de conseguir fazer passar a mensagem.

Tem conhecimento se na Guiné-Bissau os casos de MGF diminuíram desde que a lei que a criminaliza entrou em vigor, em 2011?

A tradição, a cultura e a religião são as justificações para a prática da MGF, embora nada tenham a ver com a MGF. Não tenho dados concretos para sustentar a diminuição de casos na Guiné-Bissau, mas tudo leva a crer que sim. A Lei 14/2011 veio colmatar uma lacuna que existia e que permitia a impunidade. O Estado deve ser o garante da defesa dos direitos humanos das mulheres e das crianças.

Além da batalha pelo fim efetivo da Mutilação Genital Feminina, existem outras a serem travadas na Guiné-Bissau por organizações como o Comité Nacional para o Abandono das Práticas Nefastas. Entre elas, a luta contra os casamentos infantis e forçados, contra a violência doméstica, pela escolarização das meninas e pelo empoderamento das mulheres. Em Portugal, essas batalhas também têm de ser travadas no seio da comunidade guineense?

Sim, têm. Aliás, a AFAFC é um exemplo de associação que batalha em todas essas frentes.

Qual é, no seu entender, o papel que as associações de guineenses que estão na diáspora podem e devem desempenhar para que a MGF e os casamentos infantis terminem?

Podem e devem desempenhar um importante papel na sensibilização e prevenção do fenómeno. São as associações que lidam directamente com as comunidades praticantes que conhecem os seus problemas, as suas tradições, culturas, etc.. Somos os interlocutores principais nesta luta.

Qual é o contributo para o desenvolvimento e direitos humanos no país de origem e acolhimento?

As associações têm esta dupla função de contribuir para o desenvolvimento tanto nos países de origem como nos países de acolhimento. Somos o elo de ligação com as autoridades locais, nacionais e dos países de origem. Em termos de direitos humanos fazemos a mesma análise. Daí a importância de dotar as associações de meios humanos, materiais e financeiros que permitam fazer face a esses desafios.

Têm contactos com a Comunidade da Guiné Conacri residente em Portugal?

Não.

Como avalia o papel e a intervenção do Comité Nacional para o Abandono das Práticas Nefastas (CNAPN), na Guiné Bissau?

Pensamos que tem feito um trabalho notável e louvável. A presidente do Comité, Fatumata Djau Baldé, tem sido incansável nessa luta.

A AFAFC e o CNAPN têm trocado sinergias?

A AFAFC tem colaborado com parceiros que já trabalham há muito tempo com o Comité. Há pouco tempo, como disse, participamos na preparação do lançamento da última campanha “Direito a viver sem MGF”, que decorreu no Aeroporto de Lisboa. Mas esperamos aprofundar e estreitar a nossa relação. Este trabalho já está a ser feito.

Há alguma iniciativa da AFAFC em vigor ou prevista?

Em todas actividades da AFAFC se fala de MGF. A nossa equipa é muito ativa e esse trabalho é feito no terreno junto da comunidade e nas nossas reuniões mensais. Neste momento, posso adiantar que estamos a preparar junto dos parceiros o próximo encontro regional das entidades que atuam na área da MGF, que será em 2017, à semelhança do que aconteceu este ano.

Quantos sócios tem a associação? São todos da Guiné-Bissau ou descendentes de guineenses?

A AFAFC tem cerca de 120 associados inscritos, guineenses e descendentes de guineenses. Mas o número de participantes nas nossas actividades é bastante superior.

“A AFAFC tem uma área com a função de apoiar e capacitar as mulheres na defesa e concretização dos seus direitos, fazendo prevenção e sinalização de situações de violência doméstica e de discriminação de género.”

Existe paridade nos corpos sociais da Associação? Qual é o papel das mulheres na associação e qual o plano de trabalhos nesta área? Pergunto isto porque a literacia é um problema em algumas comunidades migrantes em Portugal, sobretudo nas mulheres.

Como há pouco referi, a AFAFC tem uma área com a função de apoiar e capacitar as mulheres na defesa e concretização dos seus direitos, fazendo prevenção e sinalização de situações de violência doméstica e de discriminação de género, e apoio em caso de família monoparental feminina, bem como ações de sensibilização e de combate à Mutilação Genital Feminina, aos casamentos forçados e a outras práticas nefastas, tanto nos países de acolhimento como nos países de origem. Mas, infelizmente, não existe ainda paridade nos órgãos de direção da AFAFC, uma vez que, antes de tomarmos posse, a participação feminina era quase inexistente. Foi difícil encontrar mulheres capazes e que aceitassem o desafio de dar a cara pela associação. Mas aos poucos, as mulheres têm assumido esse papel, juntamente com os homens. Em termos de órgãos de direção das diferentes áreas da AFAFC, a participação feminina está na ordem dos 33%. O nosso trabalho tem sido feito no sentido de capacitar e empoderar as nossas mulheres. Essa é a nossa prioridade e creio que estamos todos empenhados para a materialização deste objetivo. A realidade que existia antes da nossa tomada de posse e a que neste momento se vive na associação é bastante diferente. Mudou para melhor.

Em seis anos de existência, está satisfeito com o apoio e o envolvimento da sociedade civil e do Estado para com a AFAFC ou são inexistentes?

A AFAFC foi fundada há oito anos, mas legalmente constituída há seis. Em primeiro lugar, destaco o apoio que os Bombeiros de Queluz têm-nos dado desde a sua fundação, cedendo as suas instalações para encontros e atividades. Numa fase posterior, também tivemos o apoio do Centro Lúdico de Massamá, que nos cedeu o espaço para algumas reuniões com a nossa comunidade. Assinámos um protocolo de colaboração com o Município de Sintra em Dezembro de 2015, que permitiu a cedência da nossa sede (no Monte Abraão), cuja cerimónia de inauguração realizou-se no dia 10 de setembro deste ano. Também este ano tivemos apoio financeiro da Câmara Municipal de Sintra no âmbito do PAFI (Programa de Apoio Financeiro para as Instituições que atuam no Concelho). E mais nada. Desde a nossa fundação que não temos apoio financeiro nenhuma outra entidade.

E em termos de parcerias, nomeadamente no combate à MGF?

Nesse aspeto, sim, temos tido apoios na organização e execução de algumas actividades na área da MGF, por exemplo da AJPAS, da P&D Factor, da Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, da UMAR, da APF, da CIG, da Camara Municipal da Amadora, e de outras entidades. A União das Freguesias de Massamá e Monte Abraão tem sido parceiro no âmbito da Comissão Social de Freguesia e no projecto “Raízes 6ª Geração Escolhas”. Na área da Formação, temos tido o apoio do ACM. Já participamos em acções de formação de capacitação de líderes associativos e de candidatura a projectos financiados. Achamos que as parcerias são úteis no trabalho que realizamos, porque permitem-nos trocar sinergias e alargar horizontes. De resto, todas a nossas actividades na área de apoio social e noutras têm sido asseguradas pelas quotas dos nossos associados.

Que dificuldades e desafios encontra na realização dos objetivos da AFAFC?

As dificuldades são as mesmas que a maioria das associações desta natureza enfrenta e que têm a ver com falta de recursos financeiros para fazer face às diversas solicitações da comunidade (associados) e para o cumprimento dos objectivos estatutários e do plano de actividades. A começar pelo pagamento de quotas, que está aquém do que seria expectável por várias razões, entre as quais o desemprego e a emigração. Na AFAFC, só cerca de 30% dos associados paga regularmente as suas quotas. Os desafios são enormes devido à nossa condição de associação de defesa de interesses de imigrantes. Em tempo de crise, as associações devem estar preparadas para fazer face aos grandes desafios que se colocam às camadas mais vulneráveis da sociedade, onde se incluem os imigrantes.

Quem é Eduardo Jaló?

Eduardo JalóÉ luso-guineense, tem 41 anos, uma licenciatura em Gestão e Administração Publica, com Especialização em Planeamento e Controlo de Gestão. Profissionalmente, fez de tudo um pouco – passou pela construção civil, foi vigilante e consultor – até chegar à Função Pública, em 2010, onde se mantém. Em Portugal desde 1995, preside há quase dois anos à Associação dos filhos e Amigos de Farim (Guiné-Bissau), cuja ação está focada na integração social da comunidade guineense residente em Portugal e na luta contra práticas nefastas para a saúde das mulheres e das crianças, como a Mutilação Genital Feminina e os casamentos infantis e forçados. No dia em que deixar de ser presidente da AFAFC, quer deixar um legado – o de ter feito da AFAFC um exemplo de associativismo imigrante.

Está em... Home arrow “Capacitar e empoderar as mulheres guineenses é a nossa prioridade.” Entrevistas arrow “Capacitar e empoderar as mulheres guineenses é a nossa prioridade.” “Capacitar e empoderar as mulheres guineenses é a nossa prioridade.”