“Agora é mais difícil os países fugirem aos Objetivos 3 e 5 dos ODS.”
- Data de publicação 31 outubro 2016
Desde o dia 15 de Setembro que foi adotado o há muito esperado Plano de Ação para a Saúde Sexual e Reprodutiva pelo Comité Regional da Organização Mundial da Saúde para a Europa (RC66). Inovador e progressista, este é o plano que faltava na saúde sexual e reprodutiva. Mas, com esta importante resolução, o que é que vai mudar verdadeiramente para ninguém seja deixado para trás? Perguntamos à deputada à AR pelo PS, Maria Antónia de Almeida Santos, que nesta legislatura é vice-presidente da Comissão Parlamentar da Saúde.
Entrevista: Carla Amaro | Fotografias: Tiago Lopes Fernandéz
Em que aspetos o Plano de Ação para a saúde sexual e reprodutiva, adotado há apenas um mês, é inovador e progressista?
O Novo Plano de Acção Europeu reflete a constatação de que a estratégia da OMS elaborada em 2001, NÃO atingiu os objetivos. Admite, portanto, que falhou e aponta para a revisão e adoção de novas medidas de Saúde materno-infantil, elegendo a saúde sexual e reprodutiva como um dos pilares dos Direitos Humanos. Faz a ponderação entre o Plano Europeu e os Planos Nacionais para combater as desigualdades que, apesar dos esforços, permanecem. Considero por isto, inovador e progressista.
É um Plano que não deixa mesmo ninguém para trás?
Não deixa ninguém para trás, pois está ligado aos objetivos do quadro político europeu para a saúde e bem-estar, a saúde 2020, que foi elaborado através de uma extensa consulta de especialistas, parceiros e até aceitando a revisão dos dados científicos. Liga a saúde sexual e reprodutiva a todas as faixas etárias, desde a nascença, passando pela adolescência, através de programas de educação e prevenção, chegando à idade adulta com programas de prevenção, de diagnóstico e de tratamento da doença oncológica ligada à saúde sexual e reprodutiva. Este novo Plano não cai na asneira de comparar realidades distintas. A Europa é muito assimétrica. Existem dados reveladores de que as desigualdades permanecem mais numas regiões do que noutras.
Está prevista alguma iniciativa parlamentar que tenha como foco a adoção e o debate, em sede parlamentar, deste Plano de Ação?
Neste momento ainda não está prevista nenhuma iniciativa parlamentar que tenha como foco de debate, exclusivamente, o Novo Plano de Acção. No entanto, no dia 26 de Outubro realizou-se o XII Colóquio “Direitos Humanos na Ordem do Dia”, onde, obviamente, esta questão foi, entre outras, debatida. Não se esgotará certamente e estamos disponíveis para, depois de tomarmos conhecimento do alcance do novo plano, fazer uma sessão esclarecedora.
Com este Plano, o que é que vai realmente mudar?
O que vai mudar ainda é cedo para concluir, mas foram, desde já, traçadas orientações e objetivos que serão ao longo dos anos escrutinados. Criou a exigência a todos os Ministros da Saúde que adotaram este Plano de fazerem a monitorização dos dados e das medidas a implementar. Criou a obrigação aos países de levarem o Plano não só aos Parlamentos mas também a todos os decisores nacionais, incluindo a sociedade civil.
Assim de repente, uma parte da população portuguesa não imagina que a Europa precisa de um Plano de Ação desta natureza, porque temos acesso à saúde, temos hospitais, clínicas, técnicos de saúde especializados, temos planeamento familiar gratuito, os mais modernos métodos de contraceção, consultas de fertilidade, PMA, etc. -, mas a verdade é que em muitos países europeus as mulheres, as meninas e os jovens não vêm reconhecidos os seus direitos à saúde sexual e reprodutiva. As taxas de mortalidade e a morbilidade materno-infantil são ainda altas em países europeus e algumas práticas como os casamentos precoces, combinados e arranjados são realidades. Aliás, em alguns países a saúde sexual e reprodutiva não é sequer considerada um direito, como na Polónia, Rússia e Turquia. E o acesso à IVG é restrito em países como a Irlanda, entre outros. Qual pode ser o contributo deste Plano de Ação Europeu para estas realidades?
Esta pergunta insere as já referidas assimetrias e desigualdades que existem em vários países da Europa. Eliminando a obrigação dos Países que se dissociaram do Plano, nomeadamente Hungria, Polónia e Turquia, todos os outros se comprometeram a trabalhar e seguir as orientações para mudar as realidades discriminatórias e trabalhar para um acesso universal à saúde sexual e reprodutiva, tendo sido esta considerada fulcral para os direitos humanos.
“A prevenção, a educação, os diagnósticos precoces, os rastreios oncológicos a nível nacional, o acesso a tratamentos de infertilidade no SNS, são, em minha opinião, alguns dos pontos fracos da saúde sexual e reprodutiva em Portugal.”
E no caso concreto de Portugal, em que medida este plano é útil? Em ternos de políticas para a saúde sexual e reprodutiva não temos uma estratégia ou temos mas com lacunas?
Portugal tem uma estratégia, tem políticas públicas já concretizadas mas apesar disso, ainda está àquem das metas. A prevenção, a educação, os diagnósticos precoces, os rastreios oncológicos a nível nacional, o acesso a tratamentos de infertilidade no SNS, são, em minha opinião, alguns dos pontos fracos da saúde sexual e reprodutiva em Portugal.
Os direitos e saúde sexual e reprodutiva estão totalmente assegurados em Portugal ou falta fazer muita coisa do ponto de vista da ação e da criação e concretização de programas?
A prevenção primária tem sido descurada nas políticas já concretizadas. O incentivo a campanhas nacionais deve também ser repensado. O problema dos grupos-alvo ainda não teve a abordagem adequada. Em resumo, há muito caminho a percorrer.
O que poderá comprometer este plano?
O que pode comprometer o Plano é a recorrente falta de meios humanos, logísticos e financeiros. Muitas vezes não é preciso muito dinheiro, mas sim espirito de organização. Neste momento tenho alguma esperança que se vá avançar na sua concretização.
Acha que com este documento se torna mais difícil os países "fugirem" ao Objetivo 3 dos ODS, que expressa a ambição de “até 2030, assegurar o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planeamento familiar, informação e educação, bem como a integração da saúde reprodutiva em estratégias e programas nacionais”?
Acho, porque os responsabiliza, os fiscaliza, definindo metas e indicadores precisos e quantificáveis.
Qual deverá ser o papel do Ministério da Saúde em Portugal? A Direção Geral de Saúde deve integrar as metas e as estratégias deste Plano de Ação na sua resposta à implementação dos ODS, em especial os Objetivos 3 e 5?
Tendo Portugal assinado e adotado o Plano, o Ministério da Saúde, a Direção Geral da Saúde que representam aqui, o poder executivo do Estado português, estão vinculados ao compromisso de executar as medidas que forem consideradas necessárias para cumprir os objetivos. Desde logo trabalhar dados e dar a conhecê-los; avaliar, monitorizar, promover os programas nacionais de saúde e, principalmente, apresenta-los ao Parlamento.
E os ministérios da Saúde dos vários países Europeus devem fazer o quê para que este plano chegue a bom porto?
Devem levar o Plano às reuniões do Conselho Europeu da saúde e discutir os avanços com os outros Ministros homólogos.
E qual é ou pode vir a ser a contribuição dos Parlamentos nacionais?
O papel dos Parlamentos é o exercício das suas competências. Fiscalizar o Governo, escrutinar as iniciativas europeias sobre a matéria e legislar se for caso disso. Os parlamentos também podem ter um papel importante na sensibilização das matérias em apreço e propor iniciativas no próprio parlamento. Sessões, perguntas ao Governo, Resoluções (recomendações ao Governo), Projetos-lei, dar voz às associações de doentes, são exemplos de muitas atividades que se podem realizar no Parlamento.
Quem é Maria Antónia de Almeida Santos? |
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É jurista, com uma vida profissional alicerçada na atividade parlamentar. De Junho de 2001 a Janeiro de 2005 exerceu as funções de Presidente da Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência de Lisboa. De Outubro de 1995 a Junho de 2001, foi assessora jurídica no Gabinete do Presidente da Assembleia da República. Durante este período, suspendeu, durante dois meses, as funções referidas para exercer o mandado de Deputada pelo Partido Socialista eleita pelo círculo eleitoral de Coimbra. De Abril de 1986 a Outubro de 1995, foi consultora Jurídica da Casa Civil do Presidente da República (exercendo, em simultâneo, advocacia num escritório de Advogados, em Lisboa). Entre as Comissões parlamentares a que pertence contam-se a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias [Suplente], a Comissão de Saúde, a Comissão eventual para o acompanhamento político do fenómeno da corrupção e para a análise integrada de soluções com vista ao seu combate. Pertence também ao Grupo de Trabalho – Acompanhamento da Evolução da Diabetes [Coordenadora] e ao Grupo de Trabalho – Acompanhamento da Problemática do VIH/Sida. Escreveu os livros “Descriminalização do Consumo de Substâncias estupefacientes – Interpretação e aplicação da Lei 30/2000 de 29 de Novembro” (Revista do Ministério Público) e “Contributos para uma análise da experiência descriminalizadora do consumo de drogas” (Revista Toxicodependências, volume 10, n. º 1). Integra desde 2005 o Grupo Parlamentar Português sobre População e Desenvolvimento, assumindo na actual legislatura Coordenação do mesmo. |