"Esta é uma luta urgente que todos e todas as democratas têm que travar em defesa da liberdade e da democracia."
- Data de publicação 29 abril 2020
Catarina Marcelino*
P&D: De que modo a Pandemia COVID 19 alterou a dinâmica Parlamentar?
CM: O Parlamento Português, desde o início da Pandemia e do decreto do primeiro Estado de Emergência, em nenhum momento fechou portas ou deixou de trabalhar. Contudo, adaptou a sua metodologia de trabalho às regras de segurança e distanciamento social, diminuindo o número de Deputados e Deputadas presentes por sessão mas garantindo sempre o quórum para aprovação de legislação e fiscalização ao Governo. Foi mantido o funcionamento das Comissões, reunindo em espaços maiores, reunindo apenas com a Mesa e os Coordenadores de cada força política e fazendo audições por videoconferência com membros do Governo e Entidades externas.
P&D: Enquanto Parlamentar quais têm sido as suas principais atividades e focos de reflexão e ação?
CM: Enquanto Deputada neste período, tenho assumido responsabilidades como vice-presidente da Comissão de Trabalho e Segurança Social através da coordenação e participação em reuniões e audições parlamentares, mas também tenho trabalhado com Municípios e ONG em áreas de intervenção que considero prioritárias como a intervenção junto de IPSS, muito em particular daquelas que têm respostas residenciais para pessoas idosas, com comunidades de minorias étnico-raciais, no combate à pobreza, à exclusão social e às desigualdades, que como sabemos afeta mais as mulheres e as crianças e que, nestes momentos, se acentuam.
P&D: Partindo do pressuposto “ Não deixar ninguém para trás”, que leitura faz das respostas sociais e políticas que estão a ter lugar e quais as necessidades a que importa reforçar a resposta?
CM: A Pandemia do Covid19 veio trazer ao de cima fragilidades estruturais com que o país se confronta e que nos momentos de normalidade se vão resolvendo. Neste momento somos confrontados com a falta de proteção social das pessoas que trabalham sem contribuições para a Segurança Social que hoje se encontram em estado de carência alimentar entre outras, como as senhoras que fazem limpezas, as famílias que vivem das vendas e dos mercados, das pessoas que vivem de biscates e anda das que têm pequenos negócios e que viram as portas fechadas. Há ainda muitas necessidades de equipamentos informáticos, internet e de apoio familiar para cerca de 20% das crianças que estão a frequentar o Programa Estudo em Casa que atinge o universo do 1º ao a0º ano de escolaridade. Podia ainda falar dos refugiados, como o episódio do hostel da Av. Morais Soares em Lisboa, que veio por a nú as dificuldades grandes de apoio a estas pessoas que pedem asilo em Portugal. Temos que aproveitar este momento em que as deficiências estruturais se evidenciam para colmatar estas falhas para que ninguém fique para trás.
P&D: Estamos a viver um momento particular relativo à participação pública, ao exercício da cidadania, visibilidade e contributo dessa mesma participação pelas Organizações da Sociedade Civil (OSC) de Desenvolvimento e Direitos Humanos. Como vê este momento e de que modo prevê a participação destas OSC após o Estado de Emergência?
CM: Este momento que vivemos, caracterizando-se pela necessidade de respostas diretas no terreno de caráter social e de cuidados de saúde relativamente às consequências do Coronavírus, deixa a ação das ONG que têm outro tipo de intervenção, mais vocacionada para a promoção de direitos, um pouco invisíveis na ação imediata, mas essenciais à vigilância dos direitos. Contudo, estas Organizações têm um papel fundamental no momento seguinte a esta fase da Pandemia, ou seja, no momento em que voltarmos à normalidade possível. Este momento pode ser de oportunidade para construírem pensamento e delinearem estratégias para o que vem a seguir e, nessa nova etapa, serem promotoras de projetos e iniciativas de disseminação de direitos e de empoderamento dos públicos com quem trabalham, devendo também exercer influência sobre as instituições para garantir que ninguém fica para trás.
P&D: Há países onde em presença dos efeitos da Pandemia COVID 19, incluindo o encerramento das fronteiras, o impacto económico, o confinamento social está a ter lugar uma “caminhada” quase silenciosa de movimentos e iniciativas anti direitos humanos nomeadamente, Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos, Igualdade de Género, Migração, entre outras. Enquanto deputada como está a acompanhar estas situações e o impacto em Portugal?
CM: Estamos de facto perante um momento de contra vaga democrática no mundo, agora potenciada por esta Pandemia, e acompanho estas situações com muita preocupação. A forma como estas forças antidemocráticas se posicionam e atuam no mundo não são todas iguais mas têm todas o mesmo objetivo, acabar com a democracia, com a liberdade, com o pensamento livre e informado, com a liberdade de expressão, com os direitos humanos, com a igualdade de género, enfim, com o desenvolvimento e o progresso.
Uma das estratégias mais comuns para esta finalidade é o controlo dos meios de informação, a suspensão do funcionamento das instituições democráticas, o fomento do racismo, da xenofobia e da homofobia e o controlo das mulheres e dos seus direitos e saúde sexual e reprodutiva, através do discurso da preservação dos valores tradicionais.
Em Portugal há uma realidade emergente de uma direita radical, que promove o discurso populista e antissistema que tem de ser confrontada e combatida, com toda a nossa capacidade política. Mas é fundamental que quem trava este combate desconstrua o discurso populista com uma mensagem simples que seja compreendida por todos, porque a mensagem populista é uma mensagem simples e básica que não pode ser combatida com discursos elaborados sob pena de não surtir efeito nos cidadãos. Esta é uma luta urgente que todos e todas as democratas têm que travar em defesa da liberdade e da democracia.
P&D: De que modo está o Parlamento a acompanhar a situação de programas e iniciativas de Educação para a Saúde, Educação sobre a Cidadania e Igualdade, Educação para o Desenvolvimento e Educação Sexual Compreensiva?
CM: Os programas de educação para a cidadania e desenvolvimento estão nas escolas, mas é necessário neste momento não baixar a guarda e acompanhar a sua implementação. O ensino a distância cria limitações grandes e desigualdades ainda maiores. Por essa razão, temáticas que habitualmente já são mais difíceis de implementar e de manter no sistema de ensino português, neste momento necessitam de atenção redobrada e diria mesmo de promoção e consolidação.
P&D: Quais os maiores desafios que prevê que vamos enfrentar enquanto país e membro da comunidade internacional neste tempo de “novo normal”?
CM: O maior desafio que vamos enfrentar é a crise económica que aí vem. Neste momento ninguém consegue prever a verdadeira dimensão, mas todas as instituições nacionais e internacionais são unanimes de que será uma crise como nunca vivemos, pelo menos nos últimos cem anos. Essa crise vai trazer a fragilização de quem é já mais frágil. As pessoas pobres serão as mais afetadas e nestas circunstâncias as intersecionalidades de desigualdade e discriminação são potenciadoras de maior exclusão.
A resposta a esta crise tem que ser uma resposta concertada no contexto da União Europeia, comum e solidária, sob pena de se não for assim, a Europa deixar de existir e nesse dia, é difícil imaginar o que se pode seguir. Temos sempre a referência dos anos 20 e 30 do século XX com que devemos aprender, para não repetir nunca esse momento negro da nossa História coletiva.
É fundamental garantir que no período que se segue as instituições públicas, pilares do sistema de proteção social se mantêm ativas e a responder a todas as pessoas de forma universal. O Serviço Nacional de Saúde, a Segurança Social e a Escola Pública. Mas também as instituições políticas do sistema democrático têm que ser inquestionavelmente guardiãs dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
É também fundamental que as Organizações da Sociedade Civil assumam o seu papel reivindicativo e se mobilizem para, construtivamente, integrar soluções e caminhos. Quer seja na igualdade, nas oportunidades, quer seja na defesa dos direitos, liberdades e garantias, ou ainda no desenvolvimento local e global, o momento que se avizinha é tempo de ação.
Quem é Catarina Marcelino? |
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*Antropóloga com pós-graduação em Género, Poder e Violência. Foi Presidente da CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego, adjunta do Secretário de Estado da Segurança Social e Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade. Está deputada à Assembleia da República pelo Partido Socialista |