Entrevista

. ”O impacto tem sido tão devastador que não tem sido fácil fazer as pessoas perceberem que o confinamento é mesmo para a nossa segurança.”

 

Graça Sanches

Graça Maria Lopes de Carvalho Sanches*


P&D: Como tem acompanhado a evolução da COVID-19 em Cabo Verde e o impacto que tem no quotidiano das pessoas?

GMS: Inicialmente estávamos um pouco confortáveis aquando do surgimento de casos fora da China, pois logo foram tomadas medidas preventivas…. Mas, de repente, pareceu que estávamos a viver um pesadelo com os primeiros casos, até que hoje estamos com situações graves na cidade onde eu vivo, a Praia.

Toda a rotina das pessoas mudou… sem tempo de, pelo menos, nos adaptarmos, especialmente para as pessoas que viviam do comércio informal que depende de sair de casa para ter o mínimo de subsistência.

Pela primeira vez vivemos um Estado de Emergência, algo novo até para os mais esclarecidos na matéria, quanto mais os leigos, com dificuldade em perceber o porquê de não poder sair de casa se disso depende a sua família.

O impacto tem sido tão devastador que não tem sido fácil fazer as pessoas perceberem que o confinamento é mesmo para a nossa segurança. Temos, neste momento, milhares de pessoas no desemprego, sabendo que o Turismo é a nossa maior fonte de receita e o setor mais afetado neste momento, com as portas todas fechadas e sem perspectivar quando poderão retomar. Algumas empresas estão em situação dramática de lay-off. Portanto, todos formos obrigados a mudar a nossa rotina, com as escolas e os serviços fechados.

A parte positiva tem sido a solidariedade das pessoas, quer aqui, quer na Diáspora e também das medidas tomadas pelo Governo com o apoio dos parceiros nacionais e internacionais.

P&D: Partindo do pressuposto “ Não deixar ninguém para trás” e no contexto da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável quais as necessidades a que importa reforçar a resposta em matéria de saúde sexual e reprodutiva, educação e  igualdade de género e desenvolvimento global?

GMS: Neste momento temos casos preocupantes de famílias que perderam o seu rendimento, tendo ficado sem acesso aos bens essenciais, portanto, a primeira necessidade é garantir que as pessoas tenham acesso a estes bens básicos, como a alimentação. Todavia, sabemos que os problemas sociais não deixaram de existir, portanto, é igualmente fundamental garantir a vacinação às nossas crianças e o serviço pré-natal para grávidas. Mas o problema maior é o apoio às pessoas que convivem com agressores (Homens/Mulheres) e sabemos que a tendência mundial, não só em Cabo Verde, é o aumento dos casos de violência baseada no género. Felizmente, o ICIEG e as ONG´s em Cabo Verde tem dado apoio neste momento e criado alternativas para estas pessoas.

P&D: Os efeitos da Pandemia COVID-19, além do impacto económico, são de impacto social que, enquanto comunidade global, estamos diariamente a analisar. Como vê a observância dos direitos humanos no alcançar dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável em Cabo Verde e na sub-região?

GMS: Eu penso que devemos fazer de tudo para não haver retrocesso. Em Cabo Verde estávamos num ritmo muito bom, com uma agenda clara nesse sentido, todavia sabemos que esta crise vai afetar profundamente todos. Em países como os nossos, em que a ajuda orçamental vem sobretudo da Europa - que é um dos continentes mais afetados - teremos, sim, um impacto grande. Penso que, ao revermos o orçamento, teremos que ter o cuidado de ajustar as políticas públicas ao orçamento de forma rigorosa, para evitar que os ganhos sejam perdidos. Será, sem dúvida, um grande desafio aos nossos governantes.

A nossa sub-região, onde o comércio informal domina a economia, e com um fosso de género grande para as mulheres, teremos sim problemas. Este setor não está preparado para as medidas restritivas que estão a ser tomadas, daí que será um risco não se tomarem medidas decisivas neste setor da economia.

A grande vantagem é que, na nossa região, temos tido um grande ganho em termos tecnológicos, o que poderá vir a ser uma mais-valia para criar soluções inovadoras pós-crise.

P&D: Quais os maiores desafios que se colocam ao trabalho que desenvolve, nomeadamente nas respostas em matéria de combate a todas as formas de violência com base no género e dos desafios à Igualdade de todas as meninas e mulheres?

GMS: Penso que sobretudo por não podermos estar perto das pessoas que fisicamente precisam de nós…. E o facto dessas mesmas pessoas correrem um forte risco de serem coagidas a não procurarem apoios. Por outro lado, limita também o trabalho de lobby e advocacy quando os recursos começam a ficar cada vez mais reduzidos. Exige-se um trabalho mais esclarecido e persistente, o de convencer as lideranças de que as questões de género contribuem para o desenvolvimento dos nossos países.

Outra dificuldade prende-se com o facto dos doadores internacionais estarem a vivenciar igualmente este momento de crise e haver recursos limitados para fazer face aos desafios.

Mas, um desafio importante é, também, mostrar aos nossos governantes que a orçamentação na perspetiva de género pode ajudá-los a orçamentar de acordo com as necessidades e prioridades de homens e mulheres, tornando os seus orçamentos mais transparentes, eficazes e eficientes.

P&D: Há comunidades caboverdeanas um pouco por todo o mundo, que informações pode partilhar sobre a forma de organização e desafios que encontram nestes tempos de COVID-19?

GMS: As informações que nos têm chegado não tem sido animadoras… Pois temos tido um grande número de caboverdeanos afetados por esta pandemia, quer na Europa, quer nos EUA. Os desafios prendem-se sobretudo com as pessoas mais vulneráveis que não estão em situação legal e sabemos que, assim sendo, serão as mais afetadas, perdendo todos os apoios oficiais que poderão existir. O desemprego é uma das grandes dificuldades, mas a nossa comunidade tem sido muito solidária, como sempre, e tem apoiado não só aqueles que, nos países, estão a ter dificuldades, como aqui em Cabo Verde tem sido gratificante ver os apoios que temos recebido.

P&D: O que entende ser necessário garantir para não deixar ninguém esquecido ou para trás, nomeadamente na assistência e cooperação internacional?

GMS: Penso que o momento é, por um lado, de racionalizar e priorizar e, por outro, de repensar as nossas políticas. O que fará sentido pós-Covid19? Que políticas temos que ter para capitalizar os ganhos e focar nos desafios da reconstrução da economia e de todo o setor social. Os nossos orçamentos devem ser os mesmos? Setor da Saúde? Da Educação?

Porque estamos a viver um momento em que temos de nos readaptar às novas tecnologias para ter o acesso a educação/ escolarização e vimos que temos problema de equidade, pois nem todos estavam na mesma situação e com acesso às tecnologias e fontes de energia. Era preciso a pandemia para fazermos estes reajustes? Era preciso a pandemia para percebermos que temos apenas 50 ventiladores e que, se a situação piorar, teremos problemas graves? Esta é uma reflexão que deve ser feita em conjunto com os parceiros internacionais, especialmente os doadores, para que também as ajudas sejam canalizadas para as prioridades e necessidades.

P&D: Quais os maiores desafios que prevê que o país vai enfrentar neste tempo de “novo normal”?

GMS: O nosso défice orçamental é enorme… talvez tenhamos que fazer um reajuste de todos os projetos para os próximos três anos, o que será uma tarefa dura para os decisores, ainda mais em tempos pré-eleitorais.

O desafio maior será convencer a sociedade de que teremos tempos duros e que é exigido a cada um de nós o sacrifício da retoma, sabendo que o setor motor da economia é um dos mais afetados. Imagino que o vírus não vá desaparecer com o fim do Estado de Emergência, ou seja, as medidas restritivas continuaram e, não tendo o Governo todas as capacidades financeiras, será difícil. Falo particularmente das condições que deverão ser criadas para que o setor informal funcione na plenitude, os hotéis, os aeroportos, etc.

Talvez deva ser o momento de um pacto nacional a todos os níveis (Políticos e Sociais).

 

Quem é Graça Carvalho Sanches?

Graca Sanches*Licenciada em História com Mestrado em Educação. É formadora em Liderança e ativista em matéria de igualdade de género. Tem trabalhado com o PNUD, no Programa para a Consolidação da Governação Económica e Sistemas de Gestão das Finanças Públicas nos PALOP-TL como Oficial Nacional de Empoderamento da Mulher e Orçamento Sensível ao Género (WEGRB). Ex-deputada e Ex-Presidente da Rede de Mulheres Parlamentares, tem sido distinguida com vários prémios e menções, nomeadamente: em 2015 – Jovem Líder Africana, Programa Mandela –Washington Fellowship Obama, EUA; em 2016 –Prémio Pan-Africano de igualdade de género e Advocacy; em 2017 Prémio West Africa Youth Awards; em 2018 – Lista Okay Africa 100 Women e uma das 100 personalidades mais influentes e respeitáveis em África em 2018

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