Entrevista

. “O quotidiano das pessoas foi totalmente revolucionado. Nada ficou como antes.”ação com os países membros da CPLP às necessidades decorrentes do combate à propagação da Covid-19."

 

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Vicenta Fernandes, ACLCVBG *

P&D: Como tem acompanhado a evolução da COVID-19 e o impacto que tem no quotidiano das pessoas?

ACLCVBG: As atenções do mundo estão voltadas para a pandemia COVID-19 e todos vivem um momento de muita apreensão e incerteza sobre o futuro, com os números de infetados e óbitos a nível mundial a aumentar com muita rapidez. Até ao momento desta entrevista, Cabo Verde regista mais de 200 pessoas infetadas, 2 óbitos e mais de 350 pessoas em isolamento.

É evidente que a pandemia veio trazer novos desafios à humanidade, inaugurando, deste modo, uma nova forma de viver em sociedade. Os dados que nos são fornecidos interpelam-nos e levantam vários questionamentos com os quais somos coletivamente desafiados a procurar respostas globais.

Muitos impactos já se sentem na vida dos cabo-verdianos, somos um país com poucos recursos e de economia frágil, baseada essencialmente no Turismo. O quotidiano das pessoas foi totalmente revolucionado. Nada ficou como antes. A COVID-19 alterou de forma significativa a forma de viver de cada pessoa, a sua relação consiga mesma, com o outro e com a própria natureza.

Na associação, contamos com a União  Europeia no apoio que fazemos a cerca de 100 famílias com vítimas de violência baseada no género (VBG), trabalhadoras domésticas, mulheres com deficiência e pessoas com VIH/ Sida.

P&D: Partindo do pressuposto de “não deixar ninguém para trás” – Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável – quais as necessidades em que importa reforçar a resposta em matéria de saúde sexual e reprodutiva, educação e igualdade do género?

ACLCVBG: Número 5 da Agenda 2030, a igualdade de género e a saúde sexual e reprodutiva. Não há dúvida que as medidas de confinamento, decretadas pelo Estado, obrigaram as famílias a ficar em casa e de forma mais concentrada. A saúde sexual é, sem dúvida, uma necessidade das pessoas.

Torna-se imprescindível o reforço das ações junto das famílias, com enforque especial sobre as mulheres e meninas que, tradicional e culturalmente, são as principais vítimas. A mesma questão se coloca aos desafios em termos de igualdade de género. Com o isolamento social, fica mais difícil ter acesso aos métodos de prevenção que são disponibilizados nas farmácias e centros de saúde.

Tememos um aumento significativo de gravidezes indesejadas e infeções sexualmente transmissíveis no período pós-confinamento, sem falar de uma acentuada vulnerabilidade de mulheres sem recursos e expostas ao abuso e violência sexual.

P&D: Quais os maiores desafios que se colocam ao trabalho que desenvolve, nomeadamente nas respostas em matéria de combate a todas as formas de violência com base no género incluído violência doméstica e violência sexual?

ACLCVBG: Segundo os dados a violência doméstica, a VBG aumentou a nível mundial pelo que é fundamental reforçar as ações junto das mulheres, sobretudo o apoio psicológico e financeiro às vítimas, criando um projeto direcionado para as mulheres.

Em Cabo Verde, a ACLCVBG elaborou um plano de contingência para apoiar as vítimas de VBG, com apoio psicológico, jurídico e social através de mensagens positivas e de encorajamento, com seguimento das vítimas em parceria com o ICIEG, PR e outras ONGs.

P&D: O que entende ser necessário garantir às pessoas em situação de maior vulnerabilidade social, para não deixar ninguém esquecido ou para trás?

ACLCVBG: O Governo de Cabo Verde adotou um conjunto de medidas para proteger empresas, empregos e famílias, sobretudo as de baixos rendimentos e as que se encontram em vulnerabilidade, como por exemplo os idosos que vivem sozinhos.

Foi assinado um acordo tripartido entre o Governo, Patronato e Sindicatos por um período de três meses, com o objetivo de preservar os empregos existentes, evitar despedimentos e dar liquidez às empresas (em https://www.google.com/amp/s/observador.pt/2020/03/24/cabo-verde-adota-medidas-para-proteger-empresas-empregos-e-familias/amp/ , consultado em 21/04/2020).

Algumas medidas foram tomadas também em relação às famílias, sobretudo as que vivem do setor informal, as vendedeiras ambulantes e os comerciantes dos mercados municipais que perderam os seus meios de sustento e sobrevivência do dia-a-dia. Por isso, foi aprovado pelo Governo um pacote especial direcionado a 8 000 famílias em situação de pobreza, com uma renda mensal de 10 000 escudos (cerca de 90 €) prevendo assim beneficiar 30 mil trabalhadores com um investimento de 300 mil contos/mês (cerca de 2 700 000 €). Também foi garantida assistência alimentar às famílias de baixos rendimentos e sem nenhum rendimento mensal, com o apoio das câmaras municipais, proteção civil, sociedade civil, etc.

No entanto,  as trabalhadoras domésticas - que estão fora do sistema de previdência social - não foram ainda contempladas, sendo que a  maioria - 96% - são mulheres chefes-de-família. 

P&D: Há comunidades cabo-verdianas um pouco por todo o mundo. Que informações pode partilhar sobre a forma de organização e desafios que encontram nestes tempos de COVID-19?

ACLCVBG: De um modo geral, a comunidade cabo-verdiana tem sido solidária com as pessoas mais necessitadas um pouco por todo o país. Várias iniciativas vêm sendo desenvolvidas por cabo-verdianos na Diáspora, no sentido de promover encontros e recolha de fundos para apoiar as famílias em situações de fragilidade em todas as ilhas e comunidades.

É de realçar igualmente iniciativas locais neste sentido. A ACLCVBG já está a trabalhar com algumas organizações na Diáspora para apoiar as famílias mais vulneráveis, nomeadamente trabalhadoras domésticas, famílias vítimas de VBG e mulheres com deficiência.

P&D: Quais os maiores desafios que prevê que o país vai enfrentar neste tempo de “novo normal”?

ACLCVBG: No pós-pandemia, nada vai ser igual ao que era antes. O cenário não é bom, principalmente a nível económico. Para um país onde o maior rendimento vem do Turismo e das remessas dos emigrantes, houve uma quebra drástica desde o início da pandemia, influenciando diretamente o PIB do país. Para além disso, muitas pessoas ficaram desempregadas principalmente aquelas cujas profissões dependem direta ou indiretamente do turismo.

Continuamos,  na ACLCVBG, a procurar apoios e patrocínios que permitam apoiar as famílias mais vulneráveis e necessitadas em Cabo Verde. É preciso um trabalho árduo e engajamento de todos para elevar o país novamente no pós-crise. Mas, para isso, é preciso antes de mais conter a propagação da COVID-19 no país e salvar vidas.

As equipas técnicas, voluntários/as e membros da direção da ACLCVBG são pessoas comprometidas com a causa e estamos, umas em teletrabalho e outras no terreno, a apoiar as vítimas e a distribuir cestas básicas.

O que é a ACLCVBG - Associação Cabo-Verdiana de Luta Contra a Violência Baseada no Género?

ACLCVBG logo 300x180*ACLCVBG - ASSOCIAÇÃO CABO-VERDIANA DE LUTA CONTRA A VIOLÊNCIA BASEADA NO GÉNERO é uma Organização da Sociedade Civil sediada na Achada de Santo António, Cidade da Praia, em Cabo Verde e tem como finalidade promover os Direitos Humanos, educar para a Cidadania, combater e prevenir todas as formas de violência e discriminação, apoiar as vítimas de Violência Baseada no Género (VBG) de forma célere e encaminhá-las para serviços de atendimento jurídico e de proteção social. A Presidência da ACLCVBG é assumida por Vicenta Fernandes, ativista desde sempre mas que, nos anos 80, iniciou uma caminhada pessoal, profissional e social pelo empoderamento das mulheres rurais, pela saúde materna e planeamento familiar, pelo fim de todas as formas de violência e discriminação com base no género e pela igualdade de oportunidades e direitos entre homens e mulheres. A ACLCVBG organizou em Março de 2017 em Cabo Verde o primeiro Fórum Nacional sobre Assédio Sexual no Local de Trabalho e é a parceira de Cabo Verde na Campanha #SheforShe #ElaporEla.

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