José Manuel Pureza - “Um mundo justo é possível.”
- Data de publicação 04 agosto 2021
“Uma Cooperação que assuma os direitos humanos das mulheres como sua prioridade tem necessariamente de se reconfigurar. Isso passa por incluir este objetivo no tipo das prioridades estratégicas da APD e assumir o respetivo financiamento.”
José Manuel Pureza* (JMP)
P&D Factor - Quais os principais avanços e desafios que em matéria de direitos humanos identifica em Portugal?
José Manuel Pureza (JMP) - Se o ponto de comparação for o país anterior à revolução de 25 de abril de 1974, os avanços são de grande dimensão, não só nas liberdades fundamentais (opinião, expressão, pensamento e religião, associação) mas também em áreas como a igualdade de género, as garantias do processo penal ou em direitos sociais fundamentais como o direito à educação ou o direito à saúde. O maior dos desafios que identifico é o de passar os direitos da consagração em lei para a prática social efetiva. E a esse junto o do robustecimento dos serviços públicos – a começar pelo Serviço Nacional de Saúde – para que os direitos sociais sejam efetivamente universais.
P&D Factor - De que modo a Pandemia Covid 19 alterou a dinâmica Parlamentar?
JMP - Como todo o país, o parlamento teve de se adaptar às restrições impostas pela salvaguarda da saúde pública. Menos reuniões plenárias, com menos deputados na sala, mais frequente recurso à videoconferência, menos interação presencial com os cidadãos. Mas deve ser sublinhado que o parlamento nunca fechou, ao contrário do que alguns queriam. Manteve-se sempre a funcionar porque essa era uma exigência incontornável da democracia.
P&D Factor - Enquanto Parlamentar quais têm sido as suas principais atividades e focos de reflexão e ação?
JMP - Um funcionamento criterioso do poder judicial, incluindo a defesa dos direitos dos seus profissionais; uma requalificação profunda do sistema de execução de penas (com especial ênfase para o sistema prisional); defesa dos direitos humanos de grupos alvo de discriminação (migrantes, pessoas racializadas, pessoas com deficiência); defesa da transparência e luta contra a corrupção no exercício de cargos políticos e altos cargos públicos.
P&D Factor - Faltam 9 anos para a conclusão da vigência dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, partindo do pressuposto “ Não deixar ninguém para trás” e no contexto da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, que leitura faz das respostas sociais e políticas que estão a ter lugar e quais as necessidades a que importa reforçar a resposta em matéria de saúde sexual e reprodutiva, educação e desenvolvimento global?
JMP - Os ODS são um programa de mínimos, os mínimos exigíveis para uma humanidade decente e para um planeta com futuro. Mesmo estes mínimos estão muito longe de estar garantidos no horizonte de 2030, em termos globais. Um desses mínimos que ficará muito aquém das metas mínimas consensualizadas é o da saúde sexual e reprodutiva, com milhões de mulheres que permanecerão desprovidas de direitos fundamentais de autodeterminação sexual e de serviços públicos de saúde que atempada e eficazmente garantam esses direitos.
P&D Factor - Além do impacto económico, a Pandemia Covid-19, está a ter impacto social que, enquanto comunidade global, estamos diariamente a analisar. Enquanto parlamentar como está a acompanhar o impacto quer junto dos países europeus quer junto daqueles que são os principais parceiros Bi e Multilaterais da Cooperação Portuguesa, nomeadamente no que respeita à observância dos direitos humanos no alcançar dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?
JMP - A pandemia tem as costas largas e tem servido de justificação para medidas políticas de retração da democracia e de desinvestimento no cumprimento de direitos sociais básicos. Por outro lado, as alterações climáticas saíram das notícias mas não saíram da condição de ameaça primeira à nossa sobrevivência coletiva.
P&D Factor - Quais os maiores desafios que perceciona na atuação da Cooperação Portuguesa em tempos de Covid 19, nomeadamente nas respostas em matéria de saúde sexual e reprodutiva, igualdade de género e combate a todas as formas de violência com base no género, incluindo Violência Doméstica, Mutilação Genital Feminina, Casamentos Infantis, Precoces e Forçados, Educação das Meninas e Raparigas e Migrações?
JMP - Uma Cooperação que assuma os direitos humanos das mulheres como sua prioridade tem necessariamente de se reconfigurar. Isso passa por incluir este objetivo no tipo das prioridades estratégicas da APD e assumir o respetivo financiamento. Isso significa também um diálogo meticuloso quer com as instituições oficiais quer com os atores sociais que, nos países destinatários da ajuda, são decisivos para o cumprimento destes objetivos. Deverá ser um diálogo tão respeitador quanto determinado.
P&D Factor - O que entende ser necessário garantir para não deixar ninguém esquecido ou para trás nomeadamente, na assistência e na cooperação internacional?
JMP - Em primeiro lugar, garantir uma canalização de vacinas para os países destinatários de cooperação em número suficiente para a cobertura de todas as pessoas – se a quebra das patentes constituir um requisito dessa vacinação universal, é um dever de todos que se dê esse passo. Em segundo lugar, terminar já com o escândalo que é o incumprimento dos valores percentuais mínimos dos PIB dos países doadores para a APD. Em terceiro lugar, fazer da cooperação para o desenvolvimento um instrumento forte de combate à pobreza, pondo os segmentos mais pobres das populações dos países beneficiários como destinatários primeiros da ajuda.
P&D Factor - Quais os maiores desafios que prevê que vamos enfrentar enquanto país e membro da comunidade internacional neste tempo de “novo normal”?
JMP - O principal desafio interno será o de responder a uma crise social gigantesca traduzida em desemprego, em acentuação da precariedade e na falência de empresas. E responder a esse desafio reforçando a democracia. No plano da nossa inserção na comunidade internacional, o grande desafio continua a ser o de sermos parte de uma resposta determinada à emergência climática, uma resposta que tem de ser de justiça climática, isto é, não fazendo pagar os mais pobres por uma degradação do ambiente face à qual os países mais ricos têm mais responsabilidades e mais capacidades.
P&D Factor - Quem e que assuntos não podemos deixar para trás quando se fala de Saúde, Igualdade, Educação, direitos humanos e Desenvolvimento?
JMP - Os/as mais pobres, onde quer que seja.
P&D Factor - Se lhe fosse possível escolher o lema da próxima agenda mundial qual seria?
JMP - Um mundo justo é possível.
Quem é José Manuel Pureza? |
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* José Manuel Pureza é Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Investigador do Centro de Estudos Sociais. Tem sido professor visitante em diversas universidades estrangeiras. Os seus interesses de pesquisa incluem os estudos sobre a paz - nomeadamente construções teóricas sobre a paz e estudos críticos de segurança - direitos humanos e governação internacional. Deputado do Bloco de Esquerda na XI, XIII e XIV Legislatura, Vice-Presidente da Assembleia da República e membro do GPPsPD. Integra a Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a Comissão de Saúde e a Comissão para a Transparência e Estatuto dos Deputados. Algumas das suas publicações: Emancipar o Mundo. Teoria Crítica e Relações Internacionais (co-coord. com Marcos Farias Ferreira). Coimbra, Almedina, 2021 Linhas Vermelhas. Crítica da crise-como-política. Lisboa, Bertrand, 2015 Desobedecer à União Europeia. Porto, Deriva Editores, 2015 La protección internacional de los derechos humanos en los albores del siglo XXI. (co-coord. com Felipe Gómez). Bilbao, Universidad de Deusto, 2003 O património comum da humanidade. Rumo a um Direito Internacional da solidariedade? Porto, Afrontamento, 1998 |