Fatumata Baldé - “A autonomia corporal das meninas e mulheres continua a ser um direito por realizar"
- Data de publicação 08 junho 2022
Entrevista a Fatumata Baldé
P&D Factor: Saúde Sexual e Reprodutiva
Fatumata Baldé: A saúde sexual e reprodutiva (SSR) é um estado completo de bem-estar social, físico e mental em matéria de vivência da sexualidade e das opções reprodutivas. A SSR de qualidade é essencial para uma vida sexual prazerosa e segura, através da educação sexual compreensiva, de informações e aconselhamento sobre a sexualidade, de serviços de rastreio e tratamento de IST e diferentes tipos de cancros, mas também de planeamento familiar e contraceção, vigilância da gravidez e parto seguro, prevenção de formas de violência baseada no género, para além de tratamento de casos de infertilidade masculina e feminina e terapias sexuais. Infelizmente, para muitas pessoas, sobretudo mulheres e jovens, a saúde sexual e reprodutiva está longe de ser uma realidade. A mortalidade materna e neo-natal e as vítimas de violência sexual e de práticas nefastas são indicadores que a Educação e saúde sexual e reprodutiva ainda não são um direito universalmente alcançado.
P&D Factor: Mutilação Genital Feminina
Fatumata Baldé: Apesar do esforço global para acabar com este crime contra os direitos humanos das meninas e das mulheres, a Mutilação Genital Feminina continua a ser praticada em diferentes comunidades de, pelo menos, 28 países africanos, mas também da Ásia, do Médio Oriente e da América do Sul. Devido ao movimento das diásporas, a prática da Mutilação Genital Feminina (MGF) alastrou-se a outras partes do globo como a Europa e a América.
Mutilações Genitais Femininas são diferentes intervenções, incluindo remoção de tecidos saudáveis na vulva seguidas de costuras ou cicatrizações. Em alguns casos, corta-se o clítoris, noutros os grandes e os pequenos lábios, noutros há alongamento dos lábios vaginais ou clitóris, entre outros. Uma vez concretizada a mutilação genital ela é irreversível e, mesmo quando a vítima sobrevive, irá viver toda a vida com inúmeras consequências físicas e psicológicas. A MGF corresponde a uma grave violação dos direitos humanos de meninas e mulheres: mais de 200 milhões de Meninas e Mulheres já foram afetadas, mais de 4 milhões estão em risco todos os anos, números que aumentaram com as diferentes crises financeiras, humanitárias e de saúde, incluindo a Covid-19.
Apesar do esforço global para acabar com este crime contra os direitos humanos das meninas e das mulheres, a Mutilação Genital Feminina, continua a ser praticada em diferentes comunidades de, pelo menos, 28 países africanos, mas também da Ásia, do Médio Oriente e da América do Sul.
Infeções, infertilidade, fístulas, dores permanentes, partos complicados, ausência de prazer sexual e a experimentação de um ritual atroz de subjugação e humilhação que rouba e amputa dignidade e autonomia corporal são apenas alguns dos resultados da MGF.
A MGF é praticada sobretudo em crianças e adolescentes, embora não seja incomum que mulheres em idade adulta sejam submetidas a esta prática. É feita sem anestesia, com um objeto cortante, que pode ser uma faca ritual, uma faca comum, um canivete, um vidro, uma lâmina, ou qualquer outro objeto cortante. Uma prática perigosa, sem nenhum benefício para a saúde, e que tem consequências graves para meninas, mulheres e seus filhos.
A prevenção centrada na resposta da justiça e da criminalização precisa de ser reforçada com educação, proteção social, igualdade de género e cuidados de saúde infanto-juveniis & maternos e saúde sexual e reprodutiva adequados e acessíveis.
A MGF é reconhecida por tratados internacionais, regionais, acordos e documentos consensuais e legislações nacionais como uma grave violação aos direitos inerentes à vida e dignidade humanas. Os tratados, subscritos pela maioria dos países que integram as Nações Unidas, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, reconhecem que as mulheres, enquanto sujeitas de direitos humanos, devem ser respeitadas na sua integridade física e mental, no acesso à educação e saúde com os mais altos padrões de qualidade e, claro, na participação ativa na sociedade. Estes direitos são violados pela prática da Mutilação Genital Feminina.
Relembro apenas alguns: a Declaração Universal de direitos humanos (1948), a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Violência Contra a Mulher (1981), a Convenção sobre os Direitos das Crianças (1990), as Declarações de Viena (1993), de Cairo (1994) e Pequim (1995) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2015).
P&D Factor: igualdade de género
Fatumata Baldé: Além de um direito humano básico, a igualdade entre homens e mulheres é um dos pilares para a construção de sociedades livres, com padrões de desenvolvimento humano e justiça social, o que é crucial para acelerarmos o desenvolvimento económico, social e ambiental sustentável. Empoderar mulheres e meninas tem um efeito multiplicador e transformador e colabora com o crescimento económico e o progresso das pessoas e comunidades.
À realização da igualdade de género é crucial juntar e melhorar a universalidade da educação e a saúde sexual e reprodutiva como vital para a diminuição da pobreza, para pôr um fim às discriminações e para a melhoria de vida de todas as pessoas e famílias, pois existe uma relação direta entre a saúde da mulher, o seu empoderamento, o seu nível de educação e participação com as condições de bem-estar e realização das suas famílias e desenvolvimento dos países.
P&D Factor: Autonomia Corporal
Fatumata Baldé: Autonomia corporal significa ter o poder e a capacidade de fazer escolhas sobre o nosso corpo no presente e no futuro, sempre livre de violência ou coerção. A autonomia corporal das Meninas e Mulheres continua a ser um direito por realizar e os impedimentos vêm de tradições e abordagens patriarcais e machistas que não reconhecem às mulheres o poder de decisão, como por exemplo nos casamentos infantis, precoces, forçados e combinados ou nos impedimentos à contraceção, mas também à educação e à saúde sexual e reprodutiva.
P&D Factor: direitos humanos
Fatumata Baldé: Esta é talvez a resposta mais simples: Os direitos humanos pertencem a todas as pessoas em todo o mundo, a cada um e cada uma de nós em igualdade, porque nascemos humanos. Sempre que há tortura, discriminação ou sofrimento provocado deliberadamente, há agressão aos direitos humanos, enquanto direitos fundamentais.
P&D Factor: Direitos das mulheres
Fatumata Baldé: As mulheres, ao longo dos séculos e mesmo em sociedades ditas "matriarcais", têm sido privadas do exercício pleno dos seus direitos humanos e têm sido submetidas a inúmeras formas de abusos e violências, em tempos de guerra e de paz. Violências e discriminações no espaço público, nas instituições, nas políticas que não as protegem e também na vida familiar e doméstica. Estas privações têm tido um papel de grande relevância na não ampliação do alcance dos direitos humanos das mulheres em todo o mundo.
muito há, ainda, para se evoluir e alcançar em prol da real igualdade
Se diferentes questões ganharam destaque em cada período da brevíssima história dos direitos humanos, em geral e das mulheres em particular, é importante afirmar e reconhecer que o avanço dos direitos humanos das mulheres só tem ganho fôlego, visibilidade e espaço nas diferentes agendas políticas, a partir do fortalecimento da participação feminina e da manutenção dos mecanismos de controlo social nos países. Mas sabemos que muito há, ainda, para se evoluir e alcançar em prol da real igualdade e até lá, infelizmente, continuamos a contar Meninas e Mulheres com sofrimento e mortes evitáveis.
Quem é Fatumata Baldé? |
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Ativista para os direitos humanos, oradora e formadora convidada para conferências e ações de formação sobre Direitos das Mulheres e Práticas Nefastas, Intervenção Comunitária e direitos humanos. Com formação académica em Gestão de Negócios, Saúde Pública e Serviço Social, tem desenvolvido a sua atividade profissional e ativismos em Portugal, Guiné-Bissau e Reino Unido. Atualmente a viver no Reino Unido e mãe de dois adolescentes. |