Lina Lopes - “Em Portugal a maioria das famílias monoparentais são femininas"
- Data de publicação 21 julho 2022
Entrevista a Lina Lopes
“Em Portugal a maioria das famílias monoparentais são femininas. E muitas destas mulheres, que têm os seus filhos a cargo, são imigrantes, estão em situação muito precária porque, entre outras razões, não conseguem assegurar a regularização da residência em Portugal.”
P&D Factor: Em 2021 foi eleita para o Comité Executivo do Forum Europeu de Parlamentares, apoiada pelo GPPsPD de Portugal, como tem sido o mandato?
Lina Lopes: Para responder de forma adequada começo por referir alguns marcos políticos que balizaram o meu mandato. Fui eleita a 22 de outubro de 2021, em Varsóvia na Polónia, para o Comité Executivo do Fórum Europeu de Parlamentares (EPF). A 27 de outubro do mesmo ano, é chumbado no parlamento português, pela segunda vez na história da democracia portuguesa, o Orçamento do Estado para 2022. Devido ao chumbo do orçamento, o parlamento é dissolvido e foram convocadas eleições para 30 de janeiro de 2022. Da eleição resultou a minha reeleição como deputada pelo Partido Social Democrata (PSD) e tomei posse como deputada no dia 29 de março de 2022.
Face ao exposto não é difícil perceber que não foi possível fazer um trabalho parlamentar mais aprofundado, em ligação com este fórum, sobretudo porque o Grupo Parlamentar Português sobre População e Desenvolvimento (GPPsPD), que desenvolve trabalho diretamente com o fórum europeu, e no qual era a primeira Vice-Presidente. Tenho no entanto, enquanto parlamentar, participado em iniciativas em matéria de igualdade, saúde, direitos humanos desenvolvimento como a Apresentação do Relatório UNFPA sobre a Situação da População Mundial em 2022 ou a iniciativa de resposta à reversão do acesso ao aborto pelo supremo tribunal americano, entre outras. Com o início das atividades do GPPsPD iremos fazer o que importa: colocar as pessoas e os seus direitos em matéria de saúde, igualdade, educação e cooperação no centro da atividade politica.
[...] gerar um novo consenso sobre a superação da pandemia e do HIV como uma ameaça à saúde pública e ao bem-estar individual [...]
Participei, entretanto nas reuniões do EPF e no último 7 de março participei na conferência online, sobre a relevância do Dia Internacional da Mulher, organizada pela Aliança Parlamentar Global para Saúde, Direitos e Desenvolvimento (GPA) para os Parlamentares e todos as organizações que trabalham temáticas Género, Direitos Sexuais e Reprodutivos e Mudanças Climáticas, e que teve como principal objetivo preparar parlamentares para o acompanhamento da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW) que decorreu, em formato hibrido na sede das Nações Unidas, de 14 a 25 de março, e onde se discutiu e aprovou um documento de consenso sobre mudanças climáticas e a igualdade de género.
Ainda em julho irei participar na 24ª Conferência Internacional de AIDS (SIDA): Acabar com as desigualdades, acabar com o HIV – o papel dos parlamentares na superação da pandemia, organizada pela Aliança Parlamentar Global (GPA), em conjunto com o UNFPA e a OMS. Este Conferência irá decorrer em Montreal, Canadá, de 29 de julho a 02 de agosto de 2022 e reunirá parlamentares de todo o mundo que trabalham para melhorar o acesso à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos.
Esta 24ª Conferência Internacional sobre SIDA pretende congregar vontades a nível mundial para definir futuras agendas de pesquisa, transformando os dados e conhecimentos mais recentes em ação de modo a gerar um novo consenso sobre a superação da pandemia e do HIV como uma ameaça à saúde pública e ao bem-estar individual.
É assim crucial mobilizar a vontade política e assegurar a coordenação entre todos os agentes bem como é urgente para garantir o acesso equitativo à saúde e aos direitos, especialmente para pessoas vivem com HIV. Importa lembrar que a OMS publicou recentemente novas recomendações sobre rastreio e tratamento de lesões precursoras do carcinoma no colo do útero entre mulheres que vivem com HIV onde inclui considerações sobre a implementação de programas, incluindo prestação e integração de serviços e abordagem às barreiras ao acesso. Importa lembrar que o cancro do colo do útero é o cancro mais comum entre as mulheres que vivem com HIV.
P&D Factor: Há países onde em presença dos efeitos da Pandemia COVID 19, aconteceu e acontece uma “caminhada” quase silenciosa de movimentos e iniciativas anti direitos humanos nomeadamente, Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos, igualdade de género, Migração, entre outras. Enquanto deputada como está a acompanhar estas situações e o impacto em Portugal?
Lina Lopes: Enquanto Presidente da Subcomissão de Igualdade e não Descriminação da Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos, Liberdades e Garantias, realcei em múltiplas ocasiões e conferências que as medidas de combate ao COVID 19 não atenuaram, pelo contrário, agravaram as desigualdades entre mulheres e homens. Em Portugal, as mulheres estiveram na linha da frente do combate à pandemia. Foram elas a maioria que assegurou a vitória sobre o surto pandémico: auxiliares de saúde, técnicos de saúde, enfermeiras, médicas, professoras, cuidadoras de pessoas idosas e dependentes mas também nas suas casas e com as suas famílias.
O COVID 19 foi o vírus da desigualdade; um vírus que não poupou os mais fragilizados, os mais desprotegidos. Em Portugal a maioria das famílias monoparentais são femininas. E muitas destas mulheres, que têm os seus filhos a cargo, são imigrantes, estão em situação muito precária porque, entre outras razões, não conseguem assegurar a regularização da residência em Portugal. Foram sobretudo as mulheres que fizeram pedidos de apoio excecional às famílias. Cerca de 81% dos pedidos foram submetidos por Mulheres (dados do GEP do MTSS).
Nas intervenções em Plenário e nas Comissões Parlamentares ficou bem claro que a Igualdade entre mulheres e homens é um imperativo e um objetivo social em si mesmo e constitui um pré-requisito para uma sociedade mais moderna, mais justa e mais equitativa no respeito pleno da dignidade humana.
P&D Factor: Como vê o recuo na legislação sobre o aborto nos Estados Unidos.
Lina Lopes: A decisão do Supremo Tribunal de Justiça é mais um desafio no longo caminho da afirmação das mulheres enquanto seres humanos livres e cidadãs de pleno direito de uma sociedade moderna.
Estou profundamente convencida que este desafio terá a resposta empenhada de todos os que respeitam os princípios democráticos da igualdade e da liberdade, sobretudo dos homens e mulheres que valorizam estes princípios no seio da maior democracia do mundo - os Estados Unidos da América. Enquanto mulher e parlamentar portuguesa não deixarei de dar o meu contributo para esta causa humanista.
P&D Factor: Na sua opinião o que falta fazer em termos de políticas públicas para alcançar a efetiva igualdade de género e as zero formas de Violência e discriminação que afetam sobretudo meninas e mulheres?
Lina Lopes: Refiro apenas quatro áreas: política, justiça, educação e emprego.
Política: adotar medidas no sentido de aumentar a representação das mulheres na vida política e pública, de modo a garantir uma representação 50/50 de mulheres e homens, complementadas com mecanismos claros de avaliação regular do seu impacto.
Justiça: assegurar a cooperação e coordenação eficazes entre os tribunais de família e criminais, a fim de garantir que as mulheres tenham recurso imediato às ordens de proteção civil contra parceiros abusivos, sem a necessidade de se envolver em processos criminais.
Estou profundamente convencida que este desafio terá a resposta empenhada de todos os que respeitam os princípios democráticos da igualdade e da liberdade
Educação: incluir nos currículos escolares a perspetiva do equilíbrio de género e de promoção do espírito crítico face a relações de poder desiguais e estereótipos sexistas; promover a participação de mulheres e raparigas em áreas de estudo e em carreiras profissionais não tradicionais.
Emprego: rever regularmente os salários em setores onde as mulheres estão concentradas e adotar medidas para eliminar as desigualdades salariais entre homens e mulheres; ampliar o gozo da licença de paternidade e do acesso a estruturas de acolhimento de crianças.
Quem é Lina Lopes? |
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Licenciada em Química e Mestre em Engenharia Alimentar pela Universidade de Ciências e Universidade Técnica de Lisboa, com Pós-graduação em Saúde Pública e Diploma de Estudos Avançados em Sistemas de Informação e Comunicação, Professora na Universidade Lusófona. Presidente da Comissão de Mulheres da UGT. Conselheira Nacional da Comissão de Igualdade e Não Discriminação de Género. Membro do Executivo da UGT. Vice Secretária Geral do SINDEP- Sindicato Democrático de Professores. Vice- Presidente do Instituto Francisco Sá Carneiro. Presidente da Academia de Formação Política para Mulheres Social Democratas. Secretária da Mesa da Assembleia da República É desde 2019 (XIV Legislatura), Deputada à Assembleia da República eleita pelo Partido Social Democrata (PSD), Vice-Presidente Grupo Parlamentar Português sobre População e Desenvolvimento (GPPsPD), eleita para a Comissão Executiva do Fórum Europeu de Parlamentares para os Direitos Sexuais e Reprodutivos (EPF), com um mandato de 3 anos. |