Inês Sousa Real - “Autonomia Corporal? Há ainda um longo caminho a percorrer"
- Data de publicação 24 outubro 2022
Entrevista a Inês Sousa Real
“Há ainda um longo caminho a percorrer, pelo que este é um tema que tem de ser transversal e globalmente endereçado em todas as áreas de política, incluindo ao nível da prevenção e da aplicação da lei nas diversas formas de crime contra a autonomia corporal e autodeterminação sexual.”
P&D Factor: “Não deixar ninguém para trás”
Inês Sousa Real ( ISR): Este é um dos grandes desígnios da Agenda 2030, que nos convoca a priorizar as pessoas em maior situação de vulnerabilidade num esforço coordenado para acabar com a pobreza em todas as suas formas, reduzindo as desigualdades existentes, nomeadamente a desigualdade de género que ainda persiste.
A atual crise que atravessamos, depois de dois anos de pandemia, coloca-nos desafios acrescidos a nível socioeconómico. Não só é fundamental garantir, nomeadamente em sede de Orçamento de Estado, que os dinheiros públicos estão a ser canalizados para quem mais precisa, de modo a prevenir um agravamento da situação de pobreza em Portugal, como também é urgente uma transição para uma economia verde, como instrumento promotor de inovação, como motor de criação de mais emprego e como ferramenta de combate às alterações climáticas e desigualdades sociais que persistem.
P&D Factor: Autonomia Corporal
ISR: Em pleno século XXI, a desigualdade de género é ainda uma realidade bem enraizada no nosso país, onde todos os anos dezenas de mulheres morrem em contexto de violência doméstica.
Muitas crianças, raparigas e mulheres são vítimas de diversas formas de violência sexual, de mutilação genital feminina, sujeitas a casamentos precoces, forçados ou combinados ou usadas como armas de guerra em diversos países.
Há ainda um longo caminho a percorrer, pelo que este é um tema que tem de ser transversal e globalmente endereçado em todas as áreas de política, incluindo ao nível da prevenção e da aplicação da lei nas diversas formas de crime contra a autonomia corporal e autodeterminação sexual. Basta olharmos para um país como Portugal, em que a violência doméstica continua a ter ‘cifras negras’ e um rosto marcadamente feminino, para perceber que há uma guerra que continua a ser travada, sem cessar, contra as mulheres a que só iremos pôr fim através do acesso à educação, à justiça, ao pleno emprego, à ascensão social e do empoderamento de meninas e mulheres.
P&D Factor: Democracia
ISR: Seja pelo frágil contexto socioeconómico que vivemos depois de uma pandemia e da guerra decorrente da invasão da Rússia à Ucrânia, seja pelo crescimento do populismo antidemocrático que continua a ganhar espaço em alguns países da Europa, mas também noutros pontos do globo, é fundamental que se trabalhe constantemente para renovar e reforçar a democracia.
O enfraquecimento da democracia assume também uma dimensão de género, se pensarmos na forma como muitas Meninas e Mulheres continuam a ser tratadas globalmente. Estimativas recentes das Nações Unidas dão-nos nota de que serão necessários 286 anos para globalmente atingirmos a igualdade de género.
Um dos impactos da pandemia foi precisamente o retrocesso ao nível dos direitos das mulheres, visível, por exemplo, no facto de muitas mulheres terem sido as primeiras a ser alvo de despedimento e de terem acumulado mais horas de trabalho (não-remunerado) no apoio à família. Mesmo em países democráticos as mulheres continuam a estar sub-representadas nos órgãos de poder, mas também no que respeita à ocupação de cargos superiores em organismos públicos e setor privado. E mesmo quando representadas, o rendimento das mulheres é geralmente menor do que o de homens no mesmo cargo ou funções. É, por isso, fundamental fazer aprovar mais medidas, inclusive de fiscalidade, para combater a desigualdade de género. Mas no que respeita aos direitos humanos, o caminho é igualmente longo.
Basta pensarmos nos recentes episódios no Irão e na morte da jovem iraniana Masha Amini, que gerou uma onda de protesto e revolta, mas cuja consolidação dos seus direitos ainda está longe de ser alcançada e não vimos ainda uma forte mobilização da comunidade internacional.
P&D Factor: Desenvolvimento
ISR: Há pelo menos 50 anos que diversas vozes vêm alertando para a importância de um desenvolvimento sustentável, que não assente maioritariamente no pilar económico. Apesar de algumas mudanças a que fomos assistindo, temos paulatinamente falhado com todos os compromissos que fomos assumindo, como é o caso da própria Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Hoje, aqui chegados, o que era antes importante tornou-se urgente. Ainda assim, teimamos em prosseguir com um modelo económico que tem vorazmente consumido os nossos recursos naturais e provocado desequilíbrios no sistema terrestre sem precedentes e assimetrias sociais que não têm sido corrigidas e que em muitos casos se têm agravado.
Se não operarmos uma urgente mudança de paradigma, é a sobrevivência da nossa e demais espécies que está em causa. Não nos podemos esquecer de que esta aposta num modelo assente na sustentabilidade é também sinónimo de desenvolvimento e de respeito social.
P&D Factor: direitos humanos
ISR: Não são apenas os conflitos e guerras que constituem um atentado aos direitos humanos. Cada vez mais, por via do paradigma económico que tem sido vigente, a degradação ambiental, a degradação dos recursos naturais e as alterações climáticas se apresentam como uma seríssima ameaça, particularmente, das populações já de si em situação socioeconómica mais desfavorável.
Historicamente, vários têm sido os conflitos gerados em diversos pontos do globo em torno de recursos naturais, como minérios preciosos ou combustíveis fósseis. O acesso à água potável, por exemplo, é muitas vezes fonte de conflito. Esta é uma tendência que tenderá a agravar-se, em particular, associado ao impacto das alterações climáticas. É, aliás, cada vez mais frequente o fenómeno de refugiados do clima que, tal como os refugiados da guerra, estão vulneráveis às mais diversas violações dos direitos humanos. Também os fenómenos do populismo antidemocrático e a sua implementação em alguns pontos do globo ameaçam o respeito pelos direitos humanos basilares, seja em matéria de atentados à igualdade de género, mas também sob a forma de discriminação, de racismo e xenofobia, entre outras.
P&D Factor: O que falta fazer?
ISR: Urge um verdadeiro e efetivo compromisso global em torno de uma transição para uma economia verde e socialmente mais justa. Não podemos continuar a anunciar intenções que se ficam pelo papel, sob pena de atingirmos pontos de não retorno com prejuízo incalculável para a presente e futuras gerações. O Planeta precisa de paz: numa perspetiva humanitária e ambiental. Precisamos mudar a forma como exploramos e depredamos ecossistemas, mas também como globalmente os direitos humanos continuam a ser ameaçados, com violações grosseiras de tratados e compromissos internacionais. É preciso apostar na governação com empatia e respeito e em políticas que traduzem isso mesmo, assim como no restabelecimento da democracia nos países onde a ditadura continua a prevalecer.
Quem é Inês Sousa Real? |
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Atualmente Porta-Voz do Partido Pessoas-Aninais-Natureza (PAN), tem 42 anos, nasceu em Lisboa, é jurista e tem especializações em Ciências Jurídico-Políticas e Contencioso Administrativo. É também Mestre em Direito Animal e Sociedade pela Universidade Autónoma de Barcelona. Eleita deputada à Assembleia da República pelo PAN – Pessoas-Animais-Natureza, nas XIV e XV (atual) Legislatura. |