Vera Cruz - “Todo o ser humano [...] merece não ser vítima de violência nem discriminação"
- Data de publicação 25 novembro 2022
Entrevista a Vera Cruz
“Todo o ser humano independentemente da sua origem, naturalidade, condição física, etc merece não ser vítima de violência nem discriminação. Existe lugar para todos.“
P&D Factor: Não deixar ninguém para trás
Vera Cruz (JM): Não Deixar ninguém para Trás é um desafio proposto pelas Nações Unidas em que todos temos uma missão a cumprir, individual ou coletivamente. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável define metas em várias esferas para nos orientar, apresenta-nos ferramentas essenciais ao desenvolvimento humano e trabalhar pela erradicação da pobreza no mundo. Resta cada um e tod@s juntarmos sinergias, trabalho em rede, tirando o maior partido das relações humanas, telecomunicações e tecnologias de informação que encurtam tempo e espaço para estarmos junt@s, unidos por uma única causa o planeta em que habitamos.
P&D Factor: Casamentos infantis, precoces, forçados ou combinados
JM: São, até hoje, práticas comuns em muitos países tendo maiores prevalências na África Ocidental e Central, onde 4 em 10 meninas passam por esta prática antes dos 18 anos.
Em todo o mundo quase 750 milhões de mulheres e meninas casaram-se ou são comprometidas por ordem patriarcal antes dos 18 anos.
São inúmeras as consequências destas práticas, contando-se entre elas a gravidez precoce, o isolamento social, a interrupção dos estudos, o aumento da dependência do parceiro e o aumento do risco de ser vítima de violência doméstica.
Os casamentos arranjados reduzem e em muitos casos eliminam as oportunidades da menina/mulher se afirmar como um ser livre e independente. Logo será sempre uma preocupação cimeira, de cuidado e preocupação de as orientar para a profissionalização e educação, para o respeito individual do seu crescimento, e consequentemente para a sua liberdade sem violência.
P&D Factor: Cooperação
JM: A cooperação enquanto ferramenta de realização e implementação de objetivos que podem ou não ser comuns entre as partes tem sido usada há séculos. Vivendo num mundo cada vez mais globalizado e sem fronteiras, onde facilmente o cidadão de um determinado território se torna participante ativo e de forma transversal na vivência de outro território, fazendo assim mais sentido uso desta ferramenta de direitos e desenvolvimento: a cooperação.
Entre as organizações não governamentais, especialmente entre as associações a cooperação é vital, pois produz respostas mais consistentes.
P&D Factor: Direitos das Mulheres
JM: A Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada em 1948, proclama direitos inalienáveis a todos os seres humanos independentemente do sexo (da raça, religião, idioma, opinião, origem social, nacionalidade, estatuto de propriedade, nascimento, etc). Passados mais de 70 anos, continua a disparidade no reconhecimento de direitos da mulher comparativamente ao homem. Mesmo em sociedades mais desenvolvidas com considerável desenvolvimento social e humano, persistem desigualdades e discriminação com base no sexo.
A CEDAW, Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Contra as Mulheres, adotada em 1979, define a discriminação como qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo, que tenha como efeito ou como objetivo comprometer ou destruir o reconhecimento, o gozo, ou o exercício pelas mulheres, seja qual for o seu estado civil, com base na igualdade dos homens e das mulheres, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, nos domínios político, económico, social, cultural e civil ou em qualquer outro domínio. A CEDAW parte, assim, da eliminação das discriminações contra as mulheres, para a realização da igualdade entre mulheres e homens enquanto princípios de direitos humanos.
P&D Factor: Violência e discriminação
JM: A violência e discriminação constituem violação aos direitos humanos, é um problema de sociedade que impõe condições nefastas que historicamente coexistem com a experiência humana. O ser humano é considerado intrinsecamente agressivo, o que leva muitas vezes que os atos violentos sejam naturalizados. Todo o ser humano independentemente da sua origem, naturalidade, condição física, etc merece não ser vítima de violência nem discriminação. Existe lugar para todos.
Nos dias que correm, apesar de diversas ferramentas que têm sido desenvolvidas, notam-se alguns avanços e retrocessos. Precisamos cada vez mais de práticas para a mudança do paradigma. Um trabalho urgente de práticas individuais, coletivas e institucionais para pôr fim a violência e discriminação. Prevenir e combater a violência e a discriminação implica a ação determinada de todas as sociedades.
P&D Factor: O que falta fazer
JM: Atendendo o leque de diplomas internacionais existentes, para a proteção dos direitos das mulheres, destacando-se a CEDAW, a Plataforma de Ação de Pequim, a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres, a Agenda 2030 (Objectivos de Desenvolvimento Sustentável), não se pode justificar a violação dos referidos direitos pela falta de lei.
Cremos que falta: i) a devida monitorização dos compromissos assumidos pelos estados na ratificação dos diplomas acima mencionados; ii) a materialização dos direitos através de política de inserção profissional, facilidade/justiça na aquisição de habitacional, mecanismos de participação política; iii) pressão e influência política através de campanhas mediáticas; iv) mais campanhas de sensibilização para a mudança de mentalidade; v) valorizar a pessoa humana fazendo cumprir a Carta Universal dos direitos humanos, proteger a terra e respeitar o ambiente.
Quem é Vera Cruz? |
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Licenciada em Planeamento e Desenvolvimento Turístico; ativista social e defensora dos direitos humanos em geral e em particular dos direitos humanos das mulheres e raparigas; promotora de todas as formas da liberdade; empreendedora e mãe de uma menina. Presidente da Associação Mén No - Associação de Mulheres de São Tomé e Príncipe em Portugal, é uma associação sem fins lucrativos, promotora de direitos humanos, que se rege pelos princípios da igualdade da participação equilibrada entre homens e mulheres e da não-discriminação. A nossa missão é reforçar a cidadania e a união das mulheres imigrantes e consequentemente da pessoa humana. Atuamos em 4 eixos nomeadamente, o reforço organizacional, saúde e apoio social, educação e cultura e comunicação. Fundada em 2010, contamos com mais de 100 associados. Atendendo a abrangência da nossa atuação, a Mén Non trabalha com um público diversificado, numa ótica de prevenção, facultando informação/formação aos beneficiários oriundos sobretudo de São Tomé e Príncipe e numa ótica de reação apoiando-os na resolução de questões de inclusão para uma cidadania plena. |