Descarregar diretamento do servidor :

Descarregar

Direitos, Desigualdades e Participação

“A União Europeia funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, estado de direito e respeito pelos direitos humanos, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. (…) numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, não discriminação, tolerância, justiça, solidariedade e igualdade entre mulheres e homens.”
Art. 2 do Tratado UE

A sociedade portuguesa, à semelhança de outras na Europa, atravessa mudanças sociais e políticas com impacto direto no exercício e respeito pelos Direitos das Mulheres, na Igualdade, na Diversidade, no acesso à Saúde – incluindo a Saúde Sexuale Reprodutiva (SSR) – e oportunidades de participação cívica epolítica. É fundamental, por este motivo, reforçar a consciência dos direitos por concretizar, não só nas Organizações de Direitos das Mulheres, mas também em redes, plataformas, universidades e outras OSC, promovendo uma abordagem interseccional mais alargada. Estas alterações, sobretudo no que respeita à preservação dos direitos conquistados, colocam novos desafios e exigem uma vigilância ativa das políticas públicas.

O Estudo Lugar e Voz, realizado com 27 Organizações da Sociedade Civil, teve como objetivos:

  • Identificar as dificuldades e lacunas nas áreas dos Direitos das Mulheres e Jovens, Saúde (incluindo Saúde Sexual e Reprodutiva), Autonomia Corporal, Igualdade, Direitos Humanos, Discriminação e Violência com base no Género, bem como na dimensão Poder e Tomada de Decisão
  • Contribuir para reforçar a consciência sobre direitos não realizados e promover o aumento do conhecimento e da informação das OSC, com foco nos direitos de mulheres e jovens
  • Apontar caminhos sustentáveis para os valores de igualdade e direitos em democracia, em consonância com os valores fundamentais da União Europeia, como previsto no art. 2º do seu Tratado e no art. 13º da Constituição Portuguesa.

“Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”
Art. 13º da Constituição da República Portuguesa.

O que nos dizem as Organizações da Sociedade Civil sobre a Saúde & Saúde Sexual e Reprodutiva em Portugal?

“(...) Falta de acesso a cuidados adequados e respeitosos, negação de tratamento, atendimento inadequado ou discriminatório.”
OSC respondente ao Estudo Lugar e Voz

Principais desafios/lacunas na Saúde:
  • Acesso aos serviços de saúde (30%)
  • Acesso à informação (21,3%)
  • Representatividade de grupos minoritários nos profissionaisde saúde (20%)
  • Formação adequada para Profissionais (17,3%)

Os dados revelam um conjunto de dificuldades – desafios estruturais e de inclusão – no sistema de saúde com necessidade de investimento em literacia, diversidade e qualificação técnica para assegurar o direito à saúde de forma equitativa. 55.6% das Organizações considerou não existirem políticas públicas eficazes na área da Saúde Sexual e Reprodutiva.

Principais desafios/lacunas na Saúde Sexual e Reprodutiva:
  • Projetos e programas de Educação Sexual Compreensiva (11%)
  • Identificação e acompanhamento de situações de Violência de Género (11%)
  • Barreiras culturais e/ou linguísticas (10,3%)
  • Acesso a serviços relacionados com a SSR (8,8%) e produtos menstruais (8,1%)
  • Cuidados relacionados à fertilidade (8,1%) e Consultas de sexologia (7,4%)
  • Disponibilidade de contracetivos (6,6%), Acesso a cuidados de planeamento familiar (6,6%) e IVG (6,6%)
  • Acompanhamento na gravidez e parto (5,1%)

“É preciso procurar uma comunicação interseccional de forma a conciliar o impacto de determinadas políticas em determinados sectores da sociedade, só assim podemos dar uma visibilidade e consciência clara do que está a acontecer neste momento.”
Daniela Bento, ILGA. Entrevista a Lideranças e Órgãos Sociaisde Organizações da Sociedade Civil

Os dados demonstram falta de recursos e/ou escassez na educação e formação em Saúde Sexual e Reprodutiva, desigualdades no acesso aos serviços, bem como lacunas nos cuidados e na resposta às necessidades das mulheres, jovens e pessoas em situação de maior vulnerabilidade.

Destaca-se a importância de estratégias interseccionais – que integrem, por exemplo e cumulativamente, o género, origem, idade e orientação sexual – bem como, o reforço da literacia em saúde e da formação contínua e especializada de profissionais dos setores da saúde e educação. Há uma preocupação evidente, com a ausência de formação e acompanhamento relativa aos direitos sexuais e reprodutivos e à violência com base no género, tanto em contexto educativo como nos serviços de saúde.

Os dados reforçam a necessidade de políticas e práticas mais inclusivas, interseccionais e com foco nas diversidades.

Cerca de metade das organizações (51,9%) atua na área da Saú­de Sexual e Reprodutiva, com trabalho desenvolvido através de:

  • Parcerias (29.2%)
  • Formação interna (25%)
  • Formação externa (16.7%)
  • Ações de IEC-MC (12.5%)

As Organizações da Sociedade Civil recorrem a parceriasinterinstitucionais, formação interna e ações de sensibilizaçãoespecíficas e contínuas, através de soluções de proximidade eenvolvimento comunitário, reforçando o seu papel enquantoagentes na defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos.

O que nos dizem as Organizações da Sociedade Civil sobre a Autonomia Corporal em Portugal?

“Importante falar de saúde e direitos sexuais e reprodutivos e autonomia corporal quando se fala de igualdade, saúde e direitos humanos. A autonomia corporal e o direito ao corpo é basilar para garantir e salvaguardar princípios de dignidade de vida às pessoas.”
Daniela Bento, ILGA. Entrevista a Lideranças e Órgãos Sociaisde Organizações da Sociedade Civil

74,1% das Organizações conhecem e utilizam o conceito de Autonomia Corporal, refletindo uma compreensão alargada de direitos humanos e da saúde sexual e reprodutiva enquanto direito fundamental.

O conceito de Autonomia Corporal é integrado de forma prática nas atividades desenvolvidas, principalmente através de:

  • Formações, workshops e seminários (27,1%)
  • Parcerias interinstitucionais (25%)
  • Organização e dinâmica interna (18.8%)
  • Campanhas de sensibilização (14.6%)

O reconhecimento do conceito de Autonomia Corporal é um passo essencial, mas o seu impacto depende da efetiva operacionalização nos serviços e na vida quotidiana. A educação e a comunicação são vias privilegiadas para quebrar ciclos de desinformação e reforçar o conhecimento e o empoderamento individual e coletivo.

Principais desafios que mulheres e jovens enfrentam face à Autonomia Corporal:

  • Pressão social e cultural (21,3%)
  • Falta de informação nos serviços (17,6%)
  • Violência de género (17,6%)
  • Desconhecimento da legislação (16,7%)
  • O acesso a serviços de saúde (13.9%)
  • Discriminação com base na idade/idadismo (11,1%)

Estes desafios apontam para uma necessidade urgente de políticas públicas integradas, centradas em direitos e em realidades específicas.

“Monitorizar e regular discursos discriminatórios nos media. Ampliar representatividade feminina em espaços públicos e culturais. (…) Criar redes de apoio comunitário para combater tabus sobre SDSR*. Apostar em formação de lideranças femininas locais. (…) Treinar professores para abordarem igualdadede género nas escolas. Desenvolver programas de mentoria para meninas e jovens mulheres. (…) Fortalecer leis contra violência de género e garantir a sua implementação. Criar incentivos para empresas adotarem práticas igualitárias, como licenças parentais equitativas”
Lígia Morais, OVO – Observatório de Violência Obstétrica de Portugal, Entrevista a Lideranças e Órgãos Sociais de Organizações da Sociedade Civil

Como as OSC promovem a Autonomia Corporal:

  • Workshops, seminários e formações (27,1%)
  • Estabelecimento Interinstitucionais (25%)
  • Organização e dinâmica interna (18,8%)
  • Campanhas de sensibilização (14,6%)

Caminhos para reforçar e melhorar a Autonomia Corporal:

  • Mais educação e consciencialização nas escolas (23.2%) – a escola como espaço-chave para a formação e vivência da cidadania e de direitos humanos e desconstrução demitos, estereótipos, com a temática da autonomia corporala ser trabalhad a precoce e transversalmente em várias disciplinas e diferentes níveis de ensino;
  • Maior conhecimento sobre leis e políticas públicas (23.2%) – ferramenta de capacitação para o exercício de direitos, uma vez que o desconhecimento da lei e de políticas públicas dificulta o pleno exercício de direitos, nomeadamente no campo da Saúde Sexual e Reprodutiva;
  • Apoio reforçado às vítimas de violência e discriminação (22.1%) – o acesso à informação deve ser acompanhado por respostas de proteção eficazes. O apoio psicológico, social e jurídico e serviços especializados, são componentes indispensáveis para garantir ajuda a quem sofre/sofreu uma situação de violência, promovendo o empoderamento e retorno à rotina e a construção de projetos pós-crime.
  • Campanhas públicas de sensibilização (18.9%) – regulares, inclusivas e baseadas em direitos são consideradas pelas OSC uma estratégia relevante para disseminar o tema com maior abrangência, através de mensagens educativas, acessíveis e continuadas, em oposição a campanhas pontuais e/ou sazonais, sem sustentação de políticas concretas ou serviços eficazes de continuidade;
  • Melhoria no acesso a serviços (12.6%) – barreiras que limitam o acesso a informação de qualidade, insuficiência de serviços ou inadequada distribuição ou não preparação para acolher a diversidade das diferentes populações existentes.

“A Saúde, os Direitos Sexuais e Reprodutivos e a Autonomia sobre o próprio corpo são um pilar da liberdade e da dignidade humana. Não é possível falar de Direitos Humanos sem se considerar o direito à autodeterminação sobre o corpo, a sexualidade e a identidade de género.”
Marta Maia, GAT. Entrevista a Lideranças e Órgãos Sociais deOrganizações da Sociedade Civil

O que nos dizem as Organizações da Sociedade Civil sobre Igualdade e Violência de Género e Direitos Humanos em Portugal?

Principais desafios/lacunas ao nível da Igualdade de Género:

  • Representatividade de grupos minoritários (15,8%)
  • Acesso à Informação (15%)
  • Profissionais com formação adequada (14,2%)
  • Investimento na prevenção primária (14,2%)
  • Conhecimento da legislação (14,2%)
  • Circuitos burocráticos e formais (13,3%)
  • Acesso a serviços e cuidados (11,7%)

“Garantir políticas públicas baseadas em evidência; fortalecer a cooperação entre Estado e OSC, (…); integrar a Educação Sexual Compreensiva nos currículos escolares de forma transversal; (…), removendo barreiras económicas e sociais; promover campanhas de sensibilização assíduas; criar mecanismos eficazes de avaliação e responsabilização.”
Célia Lavado, Associação Animar – Entrevista a Lideranças eÓrgãos Sociais de Organizações da Sociedade Civil

Como as OSC promovem a Igualdade de Género:

  • Normas e documentos internos – Demonstram um compromisso institucional com a temática, o que terá sido transposto para normas, regulamentos, planos internos e procura de paridade nos órgãos sociais, reforço da representatividade e a igualdade. Isto poderá ser indicativo que integram a perspetiva de género na estrutura organizativa e nos processos de tomada de decisão;
  • Ações de formação e projetos – As respostas indicam uma diversidade de ações, incluindo formações, workshops, ações de capacitação, projetos educativos e espaços para a desconstrução e/ou questionamento de estereótipos. Estas iniciativas são base para a alteração de comportamentos e atitudes, especialmente na educação não formal e na intervenção com e para crianças e jovens;
  • Ações de informação e produções audiovisuais/redes sociais – As respostas apontam para o papel central que a comunicação apresenta na sensibilização, informação e educação para a Igualdade de Género, sendo percetível que as OSC utilizam, sobretudo, campanhas em redes sociais, meios de comunicação tradicionais e materiais audiovisuais, com vista à disseminação de mensagens e à desconstrução de preconceitos e estereótipos;
  • Serviços e apoio psicossocial – respostas diretas às consequências da Violência com base no Género, sobre a violência doméstica. Incluem apoio direto a vítimas/sobreviventes, casas de acolhimento, apoio psicossocial e acesso a serviços como essenciais para garantir a proteção e empoderamento de mulheres e outras pessoas em situação de vulnerabilidade;
  • Advocacy – O trabalho realizado com agentes de decisão política, opinion makers e o envolvimento das OSC na definição de políticas públicas, eliminação de práticas discriminatórias e manutenção de centros de documentaçãoe/ou cultura feminista.

“A sociedade civil portuguesa continua a desvalorizar a existência de discriminação das mulheres, chegando a acreditar na ilusão da igualdade, perante os avanços conseguidos na democracia.”
OSC respondente ao Estudo Lugar e Voz

Desafios sentidos pelas OSC na promoção da temática de Igualdade de Género:

  • Desafios Internos: obstáculos vividos dentro das própriasorganizações, (instabilidade de recursos financeiros ehumanos ou desafios institucionais e operacionais) quepodem afetar a capacidade de implementação de açõeseficazes e sustentáveis para a integração da Igualdade deGénero como uma política transversal necessária à mudançacultural organizacional. A rotatividade ou incerteza sobrea continuidade das equipas técnicas afeta diretamentea capacidade de manter projetos sustentáveis, umarealidade que compromete a continuidade da intervenção ea consolidação de práticas de igualdade nas organizações.
  • Desafios Externos: evidenciam barreiras sistémicas, políticas e estruturais enfrentadas pelas organizações no contexto onde atuam, sendo evidente a forma como a estrutura social, política e cultural continua a impor barreiras significativas à promoção da Igualdade de Género através de:
    • Resistência cultural: normas patriarcais continuam enraizadas.
    • Falta de financiamento estruturado: impede planeamento de longo prazo.
    • Dificuldades nos setores educativos e resistência à lin­guagem inclusiva: restringem o espaço de ação das OSC.
  • Desafios Gerais: incluem oposição pontual ou institucional, indicando que mesmo em ambientes aparentemente favoráveis, há entraves significativos à execução de projetos.

A presença da discriminação em todas as esferas significaa desigualdade de género como estrutural que exige uma atuação coordenada nas narrativas formais e informais. O facto de as famílias e o trabalho serem os ambientes mais referidos, com igual peso, sublinha a necessidade de políticas públicas e ações comunitárias que tenham impacto no espaço público e no privado.

70,4% das OSC referem não existirem políticas públicas eficazes na resposta à Violência de Género. Esta perceção poderá levantar preocupações sobre a implementação eficaz de leis e planos existentes, a falta de articulação entre setores como a saúde, a justiça, a educação, a proteção social e asegurança, recursos financeiros e humanos insuficientes nos serviços de apoio, a persistência de resistências culturais e institucionais que dificultam a proteção de vítimas/sobreviventes, a lentidão na justiça e a insuficiência de medidas preventivas e educativas.

“Educação, educação, educação. Formar jovens desde cedo e de forma consistente para garantir gerações com maior literacia. Abordar publicamente de forma “escancarada” a raiz dos problemas da Violência de Género – a falta de igualdade de género!”
Paula Allen, Associação Com Alma – Entrevista a Lideranças e Órgãos Sociais de Organizações da Sociedade Civil

Onde as OSC identificam mais situações de Violência e Discriminação de Género:

  • Trabalho (23,6%) e Família (23,6%), esferas onde a desigualdade e a violência se manifestam com frequência e são socialmente invisibilizadas.
  • Escola (18,1%), ambientes escolares muitas vezes falham em responder a situações de bullying e discriminação de género.
  • Saúde (12.5%) e Forças de Segurança (12,5%), envolvem práticas como negligência, revitimização ou descrença(desconfiança) em vítimas/sobreviventes.
  • Outras áreas incluem: transportes públicos, media, espaços exteriores e toda a sociedade.

66,7% das OSC encontram fragilidades nas políticas públicas para jovens no combate à Desigualdade e Violência de Género.

A juventude continua exposta à violência simbólica e direta, sem mecanismos eficazes de proteção, especialmente nos contextos escolares, digitais e familiares.

A educação, a prevenção e o envolvimento ativo das/os jovens rapazes e raparigas é indispensável para alterar esta realidade e construir uma sociedade mais justa e igualitária desde idades mais precoces.

“O papel de watchdog das OSC implica também uma atuação proativa na defesa dos direitos fundamentais. (…) A defesa dos Direitos Humanos começa pela visibilidade das histórias, das desigualdades e das resistências. (…) amplificar vozes que historicamente foram silenciadas e de criar espaços seguros onde todas as pessoas possam exercer plenamente a sua cidadania.”
Joana Frias Costa, Inspiring Girls, Entrevista a Lideranças e Órgãos Sociais de Organizações da Sociedade Civil

Trabalho das OSC na área dos Direitos Humanos:

88,9% das Organizações respondentes atuam na área dos Direitos Humanos, através de:

  • Parcerias interinstitucionais (27.9%)
  • Formação interna (24,6%)
  • Formação externa (23%)
  • Campanhas IEC/MC (16,4%)

“(…) os direitos, embora adquiridos, não estão, totalmente, garantidos, (…) movimentos mais extremistas, e aqui testemunhamos os retrocessos e ataques aos direitos das mulheres.“
Ana Rita Brito, AKTO – Entrevista a Lideranças e ÓrgãosSociais de Organizações da Sociedade Civil

Formas mais comuns de Violação de Direitos Humanos observadas pelas OSC:

  • Violência de Género, Assédio, Não Respeito pela Saúde Sexual e Reprodutiva e Autonomia Corporal – As OSC referem práticas recorrentes como: violência física, sexual, psicológica e institucional, especialmente contra mulheres e pessoas LGBTI+. Assédio laboral, moral e sexual, controloda autonomia e imagem corporal, negação de direitos sexuais e reprodutivos, e falta de serviços especializados.
  • Discriminação Interseccional e Estrutural – A discriminação é percebida como múltipla e cumulativa, afetando pessoas migrantes, racializadas, LGBTI+, mulheres, pessoas idosas e com doenças crónicas. Há exclusão sistemática no acesso à saúde, à habitação, ao trabalho digno e à participação social, agravada por discursos crescentes de ódio e segregação.
  • Exploração Laboral e Precariedade – É mencionada a forte presença de precariedade laboral, sobretudo entre migrantes e trabalhadores/as informais. O desemprego, a discriminação salarial e a exploração indicam falhas profundas na garantia do direito ao trabalho digno e à proteção social.
  • Acesso Limitado a Direitos e Serviços – Persistem falhas graves no acesso à saúde, à educação, à habitação, à proteção social e justiça. A exclusão digital e a ausência de serviços de tradução que afetam particularmente migrantes, pessoas com deficiência e comunidades empobrecidas, comprometendo a sua dignidade.
  • Participação e Representação Política e Social – Diversas comunidades permanecem invisíveis nos processos de decisão política e social. A falta de canais/meios de participação cidadã organizada perpetua a exclusão e mina os princípios democráticos de equidade e de igualdade.
  • População Migrante, Refugiada e em Mobilidade – Múltiplas violações dirigidas a pessoas migrantes e refugiadas: racismo institucional, barreiras de acesso a serviços, exploração laboral e xenofobia. A ausência de respostas públicas eficazes aprofunda as vulnerabilidades identificadas.
  • Juventude – Os/as jovens deparam-se com escassez de oportunidades e ausência de formação em Igualdade de Género e Direitos Humanos. Estas lacunas prejudicam a cidadania ativa, a autoestima e a empregabilidade e trabalho digno, reforçando estereótipos e desigualdades.
  • Outras Violações Sistémicas – As OSC expandem a noção de Direitos Humanos para incluir justiça climática, direitos ambientais e boa governação, salientando o impacto desproporcional das alterações climáticas sobrecomunidades periféricas e em situação de pobreza.

A perceção dominante entre as OSC é de fragilidade persistente das políticas públicas no combate à violência de género e na promoção da igualdade, sobretudo entre os/as jovens.

Apesar dos avanços legislativos, as práticas discriminatórias permanecem enraizadas na sociedade e continuam a ser tratadas de forma reativa e insuficiente. Ao mesmo tempo que demonstra forte compromisso, criatividade e resiliência na defesa dos Direitos Humanos é urgente que o Estado reforce o seu papel, com uma promoção estruturada, interseccional e eficaz da Igualdade de Género.

É indispensável o apoio político, institucional e financeiro previsível e estável, bem como condições e recursos adequados para que as OSC mantenham o seu papel vigilante e possam promover mudanças efetivas e duradouras a nível institucional, comunitário e social.

O que nos dizem as Organizações da Sociedade Civil sobre Cooperação e Interseccionalidade em Portugal?

A grande maioria das OSC (81,5%) adota uma abordagem interseccional nas suas práticas. Este dado revela um avanço considerável em relação a abordagens mais tradicionais e setoriais (por exemplo, centradas exclusivamente em género ou juventude), demonstrando uma maturidade crescente na forma como estas organizações compreendem os Direitos Humanos e a própria igualdade.

92,6% das OSC mantém parcerias e desenvolve trabalho em rede com outras organizações. Este número é expressivo e aponta para uma cultura colaborativa no seio da sociedade civil.

É importante destacar que a colaboração é particularmente relevante quando se trabalha com populações em situação de vulnerabilidade interseccional (como mulheres migrantes, pessoas trans ou racializadas), pois exige respostas multidimen­sionais, que dificilmente uma única organização pode oferecer.

“(…) Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos (SDSR) e Autonomia Corporal são estruturais para qualquer abordagem interseccional. São temas que cruzam desigualdades de género, classe, raça, deficiência e outras opressões. Ignorá-los significa omitir factores essenciais para a igualdade e para o exercício pleno da cidadania (…) O controle sobre o próprio corpo define a capacidade de uma pessoa tomar decisões sobre sua vida, trabalho, família e saúde.”
Lígia Morais, OVO – Observatório de Violência Obstétrica de Portugal- Entrevista a Lideranças e Órgãos Sociais de Organizações da Sociedade Civil

Principais áreas de colaboração e trabalho em rede das OSC: As áreas de colaboração indicadas pelas OSC permitiram iden­tificar 11 eixos temáticos que evidenciam uma atuação sólida, colabo­rativa e estratégica, com respostas integradas e participadas:

  • Saúde – área transversal que abrange desde o acesso a cuidados gerais até temas específicos como saúde mental, direitos sexuais e reprodutivos e violência obstétrica;
  • Igualdade de Género e Violência – uma das áreas mais destacadas, com forte envolvimento na defesa dos direitos de mulheres e raparigas e no combate à violência e discriminação estrutural;
  • Educação – entendida como ferramenta transformadora incluindo educação para o desenvolvimento, cidadania global e cultura;
  • Informação, Educação e Comunicação para a Mudança de Comportamentos (IEC-MC) – destaca o papel da capacitação e da formação como ferramenta chave de intervenção das OSC, tanto com beneficiários diretos como com profissionais, autoridade e público em geral;
  • Área Laboral – foco nas questões de exploração, desemprego e precariedade, especialmente quando associadas a juventude, género e migração;
  • Direitos Humanos – eixo transversal frequentemente associado a outras áreas, mostrando uma leitura interseccional das violações, mas também um compromisso com princípios universais;
  • Área Social – atuação direta com populações em situação de vulnerabilidade, promovendo coesão e desenvolvimento social e comunitário;
  • Advocacy – participação ativa na defesa de políticas públicas inclusivas e democráticas, através da incidência política e promoção da transparência;
  • Academia – valoriza a produção de conhecimento e a articulação com instituições de ensino, incentivando práticas fundamentadas e pensamento crítico;
  • Ambiente – crescente consciência ecológica, relacionando justiça ambiental e impactos das alterações climáticas;
  • Inclusão e populações em situação de maior vulnerabilidade – área de maior diversidade temática, com respostas à invisibilidade estrutural de diversos grupos, como pessoas com deficiência, pessoas migrantes e refugiadas, LGBTI+, crianças, pessoas idosas e jovens.

 

O que nos dizem as Organizações da Sociedade Civil sobre Valores expressos no Art. 2º. do Tratado da União Europeia?

96,3% das OSC tem conhecimento dos valores expressos no art.2 do tratado da União Europeia e integram-os através:

  • Missões, objetivos e planos de atividades (18.9%)
  • Parcerias com outras organizações (17.1%)
  • Estatutos e regulamentos (16.2%)
  • Documentos e propostas de políticas públicas (11.7%)
  • Oferta de serviços para grupos minoritários (9%)
  • Campanhas de informação, educação e comunicação paraa mudança de comportamento (IEC-MC) (7.2%)

Valores da UE que as OSC consideram mais importantes no seu trabalho:

  • Não Discriminação (9,9%)
  • Respeito pela dignidade humana (9,5%)
  • Igualdade (9,5%)
  • Liberdade (8,7%)
  • Respeito pelos Direitos Humanos, incluindo os direitos das minorias (8,7%)

A presença expressiva de valores como Igualdade entre homens e mulheres (8,3%), Justiça (7,9%) e Solidariedade (7,9%) reforça a função das OSC como guardiãs e promotoras da democracia participativa, sobretudo em tempos de ameaça por parte de discursos extremistas e antidemocráticos.

Principais Obstáculos à implementação eficaz dos valores daUE em Portugal referenciados pelas OSC:

  • Preconceitos, discriminação e desigualdade de género – Persistência de estruturas patriarcais, a discriminação baseada em género, território de origem, etnia, orientação sexual, deficiência e outras identidades surge generalizada, com estigmas e exclusões que minam os valores fundamentais da UE.
  • Literacia, consciencialização e desigualdades – Déficede educação cívica e fraca literacia sobre valores e direitos no contexto nacional e europeu. A ausência de formação desde a infância dificulta a internalização de valores como Igualdade e Justiça.
  • Resistência à mudança e tradições – Tradições religiosas (assumidas como cultura ou identidade), “apatia” política e social, desesperança e desmobilização cívica dificultam a adoção de valores como igualdade de género e direitos LGBTI+. O desinteresse pela participação sociocultural ou/e democrática compromete o envolvimento coletivo e os processos de mudança.
  • Desinformação e polarização – A ascensão da extrema-direita radical e discursos populistas ameaça os valores democráticos. A desinformação alimenta a polarização, especialmente em temas como migração e igualdadede género, gerando desconfiança, reduzindo a empatia e dificultando a promoção de uma cultura baseada em direitos, proteção social e solidariedade.
  • Desafios políticos e institucionais – Falta de coordenação entre diferentes níveis de governo e administração pública, resistência política e ausência de abordagens interseccionais dificultam a tradução dos valores da UE em políticas públicas eficazes.
  • Falta de apoio, recursos e financiamento – Insuficiência de apoio institucional e de financiamento estruturado, burocracia excessiva e obstáculos administrativos comprometem a execução de projetos, especialmente pelas OSC de menor dimensão, dificultando a implementação local de iniciativas em direitos humanos e igualdade.
O que nos dizem as Organizações da Sociedade Civil sobre Poder e Tomada de Decisão?

“Há que garantir a presença ativa de mulheres, raparigas e jovens nos espaços de decisão, bem como garantir que é dada visibilidade a pessoas silenciadas, de forma a questionar e desmontar as relações de poder que sustentam o atual sistema. Deve também ser garantido apoio financeiro e judiciala quem desafia o status quo. (…) essencial garantir o acesso a uma educação feminista, inclusiva e interseccional, que desconstrua os papéis de género e reforce a autonomia individual.”
Beatriz Pires e Mafalda Rodrigues – NFFDUL- Entrevista a Lideranças e Órgãos Sociais de Organizações da Sociedade Civil

As OSC contribuem para o aumento da participação de mulheres e jovens em processos de tomada de decisão com:

  • Estabelecimento de Parcerias (28,8%)
  • Programas de capacitação (20,5%)
  • Advocacy (17,8%)
  • Campanhas (15,1%)
  • Documentos de política interna (8,2%)
  • Mentoria (6,8%)

“As áreas de atividade económica tradicionalmente femininas, como o setor da prestação de cuidados, especialmente, o trabalho doméstico, os cuidados na educação e na primeira infância, os serviços de saúde, de assistência social ou cuidados continuados, caracterizam-se pelos baixos níveis de remuneração e elevadas exigências físicas e emocionais.”
Claúdia Múrias, Associação Espaços- Projetos Alternativos de Mulheres e Homens – Entrevista a Lideranças e Órgãos Sociais de Organizações da Sociedade Civil

Principais obstáculos que mulheres e jovens enfrentam para alcançar posições de liderança identificados pelas OSC:

  • Pouca monitorização das políticas de Igualdade de Género (21,5%)
  • Estereótipos de género (21,5%)
  • Falta de oportunidades (17,5%)
  • Pouca implementação das políticas de Igualdade de Género (16,1%)
  • Escassa participação com visibilidade pública (15,1%)
  • Escassa participação geral (6,5%)

81,2% das OSC não possui programas de capacitação para liderança feminina e jovem.

66,7% das OSC consideram inexistentes políticas públicas de promoção da participação de mulheres e jovens nos cenários de poder e tomada de decisão.

“(…) Direção é completamente composta por mulheres, o que reflete a nossa missão de promover a Igualdade de Género e o empoderamento feminino (…)”
OSC respondente ao Estudo Lugar e Voz

66,7% das OSC indicam existir alta visibilidade de mulheres em cargos de liderança nas OSC.

88,9% das OSC apontam visibilidade limitada dos/as jovens em cargos de liderança na sociedade civil.

(…) “Educação e formação contínua em direitos, igualdade de género e liderança; acesso garantido a serviços de saúde sexual e reprodutiva; programas de mentoria e role models; criação de espaços seguros de participação; (…)”.
Célia Lavado, Animar – Entrevista a Lideranças e Órgãos Sociais de Organizações da Sociedade Civil

Recomendações Lugar e Voz

Implementação dos valores da União Europeia:

  • Advogar para a redução da carga burocrática e assegurar apoio institucional às OSC;
  • Reforçar a capacitação contínua sobre os valores da UE, para que seja possível ampliar práticas e influenciar/contribuir para as políticas e debates públicos, bem como a necessária apropriação;
  • Apoiar a participação ativa das OSC em redes interinstitu­cionais, parcerias nacionais e transnacionais, bem como em projetos da UE, com financiamento adequado, promovendo a partilha de boas práticas e a maximização do impacto;
  • Realizar campanhas de informação e sensibilização, divulga­ção e advocacy sobre os valores da UE como estratégia para promover a educação cívica e o envolvimento político da população em matéria de Igualdade e Direitos Humanos;
  • Garantir maior representatividade nos espaços de decisão;
  • Combater de forma coordenada a desinformação, o ceticismo, a apatia política e discursos de ódio.

“Empoderar mulheres, meninas e jovens para que sejam agentes de mudança nas suas vidas exige mais do que palavras inspiradoras – exige ações concretas que lhes deem voz, espaço e confiança para agir. As estratégias devem ser pensadas com elas e para elas, valorizando as suas experiência se promovendo o seu crescimento em todas as dimensões.”
Joana Costa, Inspiring Girls – Entrevista a Lideranças e Órgãos Sociais de Organizações da Sociedade Civil

Implementação de lideranças femininas e jovens:

  • Diagnóstico interno para mapear barreiras e/ou oportunidades (internas e externas) para implementar ações de inclusão;
  • Programas de formação contínua para lideranças, em áreas como empoderamento, comunicação, gestão e direitos;
  • Estabelecer parcerias com instituições/entidades – ONG ou ONGD, universidades ou institutos públicos – que atuam nesta área;
  • Explicitar e avaliar metas, também mensuráveis, de igualdade nos planos estratégicos para garantir acompanhamento e resultados mensuráveis;
  • Criar, sempre que não existam, mecanismos de representação, como cotas ou inclusão obrigatória em comissões e conselhos, para reforçar a participação em espaços estratégicos de decisão;
  • Combater padrões culturais que restringem o poder das mulheres e jovens nestes espaços e garantir maior visibilidade externa das respetivas lideranças femininas e juvenis.
  • Tornar as estruturas de decisão mais acessíveis e inclusivas, diminuindo as barreiras que dificultam a participação de jovens e mulheres;
  • Fomentar novas iniciativas e programas de OSC com valoração positiva quando forem liderados por jovens e/ou mulheres de modo a incentivar a sua participação ativa;
  • Promover campanhas de IEC-MC que valorizem as lideranças juvenis e de mulheres como agentes sociais transformadores/as, oferecendo exemplos positivos e inspiradores de boas práticas.

Para as políticas públicas:

  • Reforçar a implementação, monitorização efetiva e divulga­ção dos resultados das políticas existentes;
  • Melhorar a comunicação e o acesso à informação sobre essas políticas;
  • Criar mecanismos de avaliação periódica, com indicadores de impacto;
  • Envolver as OSC e o setor privado no desenho, monitorização, avaliação e relatórios das políticas públicas;
  • Promover programas formativos e incentivos direcionados à inclusão de mulheres e jovens em cargos de decisão/poder.

“Imagino e gostava que daqui a 10 anos estes assuntos, sejam não assuntos porque a educação venceu o machismo, o preconceito e os estereótipos de género… e todos e todas vivem sobre o ónus da equidade”,
Maria José Raposo, UMAR-Açores – Entrevista a Lideranças e Órgãos Sociais de Organizações da Sociedade Civil

P&D FACTOR - Iniciativa

 

* Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos