Investir nas meninas para melhorar a humanidade
- Data de publicação 06 março 2015
Ser discriminado na escola, na família, no trabalho, na saúde. Só porque se nasce menina ou porque se é mulher. A indignação diante dos factos e o apelo à mudança pela voz de Cláudia Semedo*, atriz e embaixadora do Ano Europeu para o Desenvolvimento 2015.
«Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.»
A primeira frase do artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, um documento amplamente reconhecido pelos Estados e aceite pelas pessoas, deveria ser fácil de aprender. De apreender e pôr em prática. Deveria, mas não é assim. Sobretudo para quem nasce menina.
Não pensem que vou falar de «coisas» de mulheres – não, esse mistério permanecerá bem guardado nas nossas deliciosas reuniões privadas. Hoje quero falar de «coisas» da humanidade que provocam grande desequilíbrio social e que têm efeitos nefastos: a discriminação, a violentação e a subjugação de meninas, raparigas e mulheres.
Sou mulher e só este facto é determinante para as experiências que vivi e à luz das quais a minha opinião se forma. Ainda assim, vou despir a farda da missão e falar do alto de um outro conceito que acredito ser ainda maior do que o género que me nomeia, o de ser humano.
Há dias, e este em que vos escrevo é um deles, em que tenho vergonha de pertencer ao conjunto de sete mil milhões de «pessoas-carneiro» que aceitam silenciosa e passivamente um sem número de injustiças reconhecidas, sinalizadas e noticiadas nos meios de comunicação social.
Há dias, estive em contacto com a campanha The Girl Effect e desde então ecoa na minha memória, em tom de grito, uma pergunta que eu não consigo calar. Foi feita por uma menina de 13 anos, oriunda do Ruanda, e quero partilhá-la com vocês. Perguntava a menina: «Será que as outras pessoas sabem que pessoas pobres como nós existem?»
A ingenuidade da pergunta dói tanto ou mais quanto a impossibilidade da justificação da resposta.
No mundo, 805 milhões de PESSOAS passam fome.
A cada dia que passa, 39 mil MENINAS são obrigadas a casar.
Todos os dias morrem 800 MULHERES por complicações relacionadas com a gravidez, o parto e o pós-parto.
Das pessoas em situação de pobreza, 70% são mulheres.
Em todos os cantos do mundo, ainda que trabalhem as mesmas horas e desempenhem a mesma função, as mulheres ganham MENOS do que os homens.
Na esfera política, e no mundo, as mulheres representam apenas 8% dos decisores.
Estes são apenas alguns exemplos, pois a lista da injustiça e da discriminação contra as meninas, raparigas e mulheres é enorme. Tão grande que parece não ter fim.
Mas a lista dos ganhos que podem advir com o desenvolvimento e a igualdade também é extensa, grandiosa e muito pouco divulgada.Ora vamos lá:
Sabem que se as meninas forem à escola, o rendimento das famílias e a riqueza dos países aumenta?
Sabem que as raparigas mais escolarizadas casam mais tarde, morrem menos durante a gravidez e o parto, garantem melhores cuidados de alimentação e educação aos seus filhos?
Sabem que as meninas e as jovens que vão à escola fazem escolhas mais saudáveis e sabem defender-se melhor de situações de violência?
Sabem que ter as meninas e as raparigas na escola tem um forte impacto positivo no desenvolvimento económico, social e político dos países e do mundo?
Por detras destes números e factos estão vidas esmagadas que a minha, a sua – a nossa – consciência não pode esquecer.
Que o Ano Europeu para o Desenvolvimento tenha força de acção! E que 2015 marque uma nova etapa no fim das desigualdades.
* Cláudia Semedo, embaixadora do Ano Europeu para o Desenvolvimento 2015.