“Espero que Guterres seja também um líder forte nas questões relacionadas com os jovens”
- Data de publicação 20 dezembro 2016
Numa altura em que o mundo está expectante em relação ao exercício de António Guterres à frente de uma organização tão importante como a ONU, a P&D Factor entrevistou o diretor da Divisão de Governança e Assuntos Multilaterais do UNFPA. Kwabena Osei-Danquash não poupa elogios ao novo secretário-Geral das Nações Unidas, de quem espera “uma ONU que aproveite todo o potencial do multilateralismo”.
Entrevista: Carla Amaro | Fotografia: No Colóquio "Direitos Humanos na Ordem do Dia", realizado recentemente na Assembleia da República pelo GPPsPD em parceria com a P&D Factor
Entrevista Kwabena Osei-Danquash - Parte I de III
Entrevista Kwabena Osei-Danquash - Parte II de III
Acha que a Agenda 2030 pode estar ameaçada com a eleição de Donald Trump para a presidência de um país tão imprescindível para a implementação mundial dos ODS?
Como órgão intergovernamental, o UNFPA trabalha com todos os governos, independentemente da sua orientação política e ideológica, com base nas orientações fornecidas pelos estados membros da ONU, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Programa de Acção da ICPD, pela Agenda 2030 e pelas resoluções dos principais órgãos das Nações Unidas, bem como pelos resultados das conferências de revisão da ICPD. Os Estados Unidos da América são um parceiro importante para o trabalho do UNFPA, de maneira que aguardamos com expectativa o apoio desse país não só a esta organização como a toda a agenda de promoção e proteção dos direitos humanos de todas as pessoas, incluindo os direitos e saúde sexual e reprodutiva, a fim de alcançar os ODS com que todos os Estados membros das Nações Unidas se comprometeram. Na verdade, o secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon [esta entrevista foi realizada antes de António Guterres jurar a carta da ONU e de tomar posse como secretário-Geral], expressou a posição das Nações Unidas, destacando a importância da cooperação com a nova administração para promover os direitos humanos e o entendimento mútuo e implementar os ODS.
O que espera de António Guterres como próximo secretário-Geral da ONU? Que conquistas, em concreto, gostaria que alcançasse durante o seu mandato?
O mundo inteiro ganhou grandes expectativas após a eleição de António Guterres para o cargo de secretário-Geral da ONU, no processo eleitoral mais transparente até agora. Guterres é conhecido como um excelente facilitador do diálogo para chegar a consensos e esta qualidade é fundamental para alcançar progressos nas questões que estão no cerne do trabalho do UNFPA. Guterres expressou o seu forte compromisso de colocar a ONU na vanguarda do movimento global para a igualdade de género como uma característica inalienável e indivisível de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. O seu enfoque na "proteção dos mais vulneráveis", tornando-a "o centro da nossa ação comum", e o reconhecimento da importância crucial de proteger as mulheres e as crianças, os idosos e as pessoas com necessidades especiais como medidas para o sucesso de qualquer resposta da ONU são consistentes com a determinação dos líderes mundiais de não deixar ninguém para trás na Agenda 2030.
E os jovens também não podem ser deixados para trás, como, de resto, António Guterres salientou quando jurou a Carta das Nações Unidas…
Claro. Aliás, esperamos que Guterres seja também um líder forte em questões relacionadas com os jovens. A sua visão, experiência e compromisso com o bem-estar e os direitos individuais, bem como o respeito que todos têm por ele, criam uma oportunidade significativa para progredir na agenda da ICPD Para Além de 2014. Esperamos apoiar a sua liderança em todas estas questões, numa abordagem multidimensional e sustentável, incluindo na crise sem precedentes de refugiados e migração, que, de resto, é uma questão que lhe é familiar no exercício do cargo de Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Os desafios do mundo exigem, mais do que nunca, uma ONU que aproveite todo o potencial do multilateralismo. A instituição pode ajudar a gerir o sentimento de ansiedade causado pelos benefícios desiguais da globalização, especialmente os impactos da tecnologia, da informação e da comunicação, bem como desafiar os países e as instituições globais que formam a intrincada rede de direitos humanos a assumir as suas responsabilidades. Em António Guterres, o mundo parece ter encontrado o homem certo para tempos difíceis.
“Esperamos trabalhar com o parlamento português para levar os parlamentares de países em desenvolvimento a beneficiarem das suas melhores práticas, de modo a fazer avançar a agenda de SDSR e torna-la uma prioridade para a política governamental”
Esteve em Portugal recentemente para participar no Colóquio “Direitos Humanos na Ordem do Dia”. Fazem falta em todo o mundo iniciativas como esta que o GPPsPD e a P&D Factor promoveram?
As parcerias no desenvolvimento estão a tornar-se cada vez mais críticas para uma cooperação global bem-sucedida. Há muito tempo que o UNFPA desenvolveu e apoiou as suas parcerias com a sociedade civil. A iniciativa "Direitos Humanos na Ordem do Dia: Igualdade, Direitos e saúde sexual e reprodutiva na Agenda 2030" é extremamente oportuna e construtiva, uma vez que vincula conceitos e princípios que são indispensáveis para a implementação tanto da agenda da ICPD como da Agenda 2030 e reuniu membros do Parlamento, funcionários do governo e sociedade civil, uma parceria que é essencial para a construção de consenso e progressos. Há uma sociedade civil vital em Portugal e a sua colaboração com o UNFPA é uma fonte de ideias e abordagens inovadoras e um exemplo para outras partes do mundo. Gostaria de salientar que a oportunidade do colóquio permitiu ao Governo português e ao UNFPA decidir sobre uma série de iniciativas em resposta às principais conclusões do evento. Esperamos também trabalhar com o Parlamento português para levar os parlamentares de países em desenvolvimento a beneficiarem das suas melhores práticas, e, deste modo, fazer avançar a agenda de SDSR e torná-la uma prioridade para a política governamental.
Que soluções podem ser encontradas nas reuniões e contactos que teve em Portugal durante os dois dias de trabalho? E que mensagem gostaria de ter deixado?
Tive a oportunidade de trocar informações e ideias sobre o apoio aos países para garantir que ninguém seja deixado para trás e sobre os meios de aumentar o apoio aos países para alcançar os objetivos da ICPD – são desafios que o UNFPA enfrenta e são absolutamente necessários para que os ODS sejam realizados. Tenho o prazer de dizer que houve um acordo total entre os funcionários portugueses, o Governo, o Parlamento e a sociedade civil sobre o caminho a seguir e sobre a necessidade de uma maior cooperação entre Portugal e o UNFPA, bem como a liderança portuguesa nos processos intergovernamentais.
Fotografia: No Colóquio "Direitos Humanos na Ordem do Dia", realizado recentemente na Assembleia da República pelo GPPsPD em parceria com a P&D Factor
E vão entrar outros parceiros de desenvolvimento em cena?
Sim, esse compromisso foi também assumido, o de mobilizar outros parceiros de desenvolvimento para que respondessem às necessidades dos países, como por exemplo na capacidade de obtenção de dados. Como resultado da forte vontade manifestada durante as interações, esperamos uma revisão urgente do congelamento das contribuições do núcleo português para o UNFPA. O papel do GPPsPD [Grupo Parlamentar Português sobre População e Desenvolvimento], da P&D Factor, de outras ONGs e de pessoas como Catarina Furtado na mobilização pública e na maior ação governamental é impressionante. Estamos extremamente gratos e ansiosos para transmitir as melhores práticas de Portugal a outros países.
Como avalia o papel da sociedade civil e do setor privado no trabalho de "não deixar ninguém para trás", que o UNFPA propõe?
A sociedade civil já desempenha um papel extremamente importante na promoção de avanços audaciosos nos direitos humanos, na proteção humanitária, no empoderamento das mulheres, na igualdade de género e na SDSR, reunindo provas, desafiando o status quo, responsabilizando os governos e trabalhando como parceiros de implementação com os governos, com agências da ONU ou sozinhos. O papel do sector privado nas parcerias e no apoio a políticas e programas para não deixar "ninguém para trás" cresceu, mas continua a ser muito inferior ao seu potencial.
O que mais pode fazer?
Primeiro, o setor privado e a sociedade civil operam nas comunidades locais, por isso conhecem as necessidades, desafios, oportunidades e conquistas das melhores pessoas. Também conhecem o melhor que é "deixado para trás" e são capazes de sugerir soluções, com base nas suas experiências nas comunidades. O setor privado, por exemplo, possui um enorme potencial de inovação e eficiência na prestação de serviços, ao mesmo tempo que controla as capacidades financeiras destinadas ao desenvolvimento e que têm vindo a diminuir. Algumas fundações estão a fazer contribuições financeiras e de gestão incríveis, inclusive na área de planeamento familiar, o que demonstra uma capacidade que precisa de ser explorada mais a fundo. Em segundo lugar, para garantir que "ninguém seja deixado para trás", os governos devem ser responsabilizados pela concretização dos ODS, mas a sociedade civil desempenha um papel crítico e muito importante na monitorização dos progressos realizados, na representação dos interesses dos mais vulneráveis e marginalizados e na defesa do aumento dos investimentos para capacitação e prestação de serviços.
Mas ainda há limitações nos processos intergovernamentais para a plena participação das organizações da sociedade civil…
Pois há, mas esta situação precisa de mudar, dada a contribuição e as vantagens desses grupos. Precisamos também de fazer progressos através da participação das Organizações de Estatísticas Governamentais e dos jovens no acompanhamento e na avaliação dos programas feitos pelos Governos, pelo Sistema das Nações Unidas e pelo sector privado.
Quer acrescentar alguma coisa?
Sim, gostaria de reiterar dois pontos óbvios, mas que são ignorados nas discussões sobre como o mundo pode alcançar os ambiciosos ODS em 15 anos. Em primeiro lugar, cada uma das facetas da política nacional está interligada e, a menos que as instituições e estruturas nacionais sejam reconstituídas para refletir essa realidade, os progressos em SDSR, mulheres e meninas e jovens terão resultados tangíveis, mas não sustentáveis. Em segundo lugar, embora o financiamento seja importante, em muitas áreas o que é necessário está para além do financiamento, como a necessidade de muitos países e instituições de adquirir know-how, construir capacidade de excelência e relevância e tirar proveito das melhores práticas. E esta é uma área em que países como Portugal podem ter liderança, quer através da cooperação bilateral, quer trabalhando em consórcios com outros parceiros de desenvolvimento.
Quem é Kwabena Osei-Danquash? |
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Juntou-se ao UNFPA em 2002, onde liderou a revisão do Programa de Ação da ICPD Para Além de 2014 e é hoje o diretor da Divisão de Governança e Assuntos Multilaterais do UNFPA desde Abril de 2015. Antes do UNFPA, trabalhou como diplomata do Gana durante mais de 17 anos, exercendo cargos de diplomacia na então Checoslováquia, depois nas Repúblicas Checa e Eslovaca e na Missão Permanente do Gana nas Nações Unidas em Nova Iorque. |