Apresentação do Relatório UNFPA SWOP 2024 - Catarina Furtado
- Data de publicação 17 abril 2024
Conheça aqui a comunicação da Catarina Furtado na Apresentação pública em Portugal do Relatório UNFPA – Situação da População Mundial 2024
Foi com uma frase de uma campanha que terminei a leitura deste que é o meu 24º Relatório sobre a Situação da População Mundial, enquanto Embaixadora de Boa Vontade do UNFPA: “De que continuamos à Espera?”
Há 24 anos, por sugestão da maravilhosa Thoraya Obaid e depois de uma longa entrevista comum mandatário de recrutamento do UNFPA, recebi um convite formal do então Secretário Geral da ONU, Kofi Annan para ser Embaixadora de Boa Vontade desta agência que,testemunho mesmo, faz a diferença na vida das pessoas.
Os mandatos têm sido renovados, ao longo dos anos, o que me deixa muito orgulhosa mas a verdade é que o mundo enfrenta desafios que continuam a justificar a existência do UNFPA e a razão pela qual a Conferência Internacional sobre a População e o Desenvolvimento do Cairo de 1994 é ainda hoje, passados 30 anos, a AGENDA da modernidade transformadora mas também inacabada das Nações Unidas.
Estava longe de imaginar o que me esperava, mas sobretudo estava longe de imaginar que seria uma missão voluntária que se iria confundir com a minha própria existência enquanto mulher, cidadã e mais tarde, mãe.
Tem sido uma missão de vida que se colou à minha pele.
Sou apresentadora, atriz, documentarista e fundei há 12 anos a ONGD, Corações Com Coroa,cujo primeiro projeto foi angariar um donativo para o UNFPA.
A CCC, todos os dias, defende, protege e promove os direitos das raparigas e mulheres.
A inspiração para fundar a CCC veio da experiência e do conhecimento que adquiri com o UNFPA.
Trabalhamos as questões da igualdade de género, não violência e não discriminação com base no género.
Entre muitas outras iniciativas, atribuímos bolsas de estudo a raparigas em situação de vulnerabilidade social…portuguesas, imigrantes, afro descendentes e de etnia cigana. Temos também projetos nas escolas sobre a violência no namoro, a gravidez adolescente e apobreza menstrual.
E com uma equipa técnica, asseguramos atendimento e aconselhamento gratuito em temas essenciais como violência doméstica, educação e saúde sexual e reprodutiva.
Foi muito claro para mim que, para cumprir eficazmente a minha missão enquanto Embaixadora da Boa Vontade, teria de usar o poder de chegar ao grande público que me segue, através da criatividade, mas sobretudo, mais do que apenas ler, aprender e reportar os estudos, as estatísticas e os relatórios, EU teria de mostrar no terreno, o incansável e insubstituível trabalho do UNFPA.
Criei, como algumas pessoas sabem, um formato televisivo documental, Príncipes do Nada,que mostra as desigualdades nos países, através de histórias de pessoas, mas sempre comum a perspetiva de esperança porque retrata exemplos concretos do trabalho do UNFPA e dos seus parceiros nacionais, do que se pode fazer para colmatar injustiças.
Mostro projetos onde o investimento foi feito na promoção dos direitos das pessoas,sobretudo de quem mais sofre no mundo inteiro: as meninas, as raparigas, as mulheres.
Tem sido possível provar que quando existe vontade política, saber e recursos, o Programa de Ação do Cairo pode ser realizado a favor das pessoas, numa verdadeira promoção da igualdade de género.
Através dos Príncipes do Nada, dos Documentários Dar Vida sem Morrer, das muitas missões que tenho feito com o UNFPA e dos frequentes relatórios lidos e trabalhados, é muito evidente para mim que se houver vontade política; compromisso com a palavra e com os acordos assinados há 30 anos no Cairo e também mais tarde, incluindo em Nairobi, os resultados são alcançados.
É isto que esperamos também da academia, das organizações da sociedade civil, dos diferentes poderes políticos: o trabalho não está feito, precisamos de mais e de melhores saberes.
E de prioridades políticas na ação programática para que, de forma coerente, solidária,consistente e sustentável, fazer dos Direitos Humanos e do Desenvolvimento, uma realidade global que inclua explicitamente saúde, educação, igualdade e direitos sexuais e reprodutivos para todas as pessoas, sem exceção.
Não tenho nenhuma dúvida de que é sempre urgente contar histórias felizes, de impacto real,de resultados alcançados para que a decisão política, parlamento e governo, mas também funcionários públicos, profissionais de associações e financiadores privados, possam sentir o apelo de contribuir e fazer parte da mudança. Promover a empatia que se pode ensinar, é para mim fundamental.
Já visitei equipas no terreno em Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe,Timor Leste, Haiti, Sudão do Sul, Uganda, Líbano, Bangladesh, Egipto, Gana, India, Indonésia, e testemunhei as vidas salvas de mães e bebés; os casamentos precoces, forçados, infantis que foram evitados; a alteração da perceção da prática nefasta da Mutilação Genital Feminina; o empoderamento de raparigas e mulheres através do reconhecimento dos seus direitos sexuais e reprodutivos; do respeito pela autonomia corporal de cada pessoa; a importância do acesso à educação e à escola, à saúde e ao planeamento familiar; do envolvimento masculino, da prevenção da discriminação e da proteção das vítimas e sobreviventes de todas as formas de violência com base no género, incluindo em situações de pobreza mas também em todos os programas de desenvolvimento e de emergência humanitária, como nos campos de refugiados, por exemplo.
Eu vi a diferença entre a vida e morte, entre a ausência de dignidade e o respeito por cada pessoa, porque, efetivamente, cada pessoa conta.
Partilho estas histórias de vida real com a noção clara de que sou uma privilegiada pelo facto de cada menina, rapariga ou mulher me confiar a sua intimidade.
Partilho com o meu público, com os media, nas escolas e universidades mas também com o poder político e com os parlamentares em Portugal, e nos países onde vou em missão.
E vejo que é a partir dos bons exemplos, vindos de cada um de vós e de cada um de nós, da sua inspiração e do saber democrático, que a transformação acontece.
Os tempos são difíceis com populismos; dissimuladas campanhas e dados falsos que veiculam retrocessos graves aos direitos das meninas e mulheres como acontece na Gâmbia,na Polónia ou se perceciona em Portugal e noutros países europeus.
Apesar de tudo, uma boa notícia é a que nos chegou, há dias, do Parlamento Europeu que aprovou a inclusão do direito das mulheres ao aborto na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, por isso, agora, a exigência e a vigilância são mais elevadas.
Hoje, com os ventos que se fazem sentir, é importante escrever vezes sem conta: Em Portugal,desde 2007, a legislação (eu estava “lá” e por me ter manifestado publicamente recebi muitas cartas de ódio) permitiu reduzir a zero as mortes maternas associadas ao aborto. E o número de interrupções voluntárias da gravidez por decisão das mulheres tem também diminuído, ao contrário do que é frequentemente apresentado por iniciativas deliberadas de contrainformação.
Os direitos coletivos só serão fortes e sustentáveis quando fizermos o nosso trabalho de defesa e promoção dos direitos individuais.
Ter direito ao casamento não obriga ninguém a casar, mas permite que quem quer casar o faça, idealmente a partir dos 18 anos, cumprindo os direitos das crianças.
No entanto fazer depender da tutela de um homem (pai ou marido) o acesso à saúde,incluindo à contraceção e a decisão sobre relações sexuais, mata Meninas e Mulheres todos os dias e em muitos países.
Do mesmo modo, a existência de legislação sobre direito ao aborto por decisão da mulher não obriga ninguém a abortar, mas fazer depender de uma opção religiosa ou política a existência dessa mesma lei, mata milhões de mulheres, todos os dias, em muitos países e estados.
Eu defendo e promovo as mensagens e a missão do UNFPA com uma enorme convicção da seriedade do trabalho realizado em tantas partes do mundo. E com um orgulho imenso e sentido de compromisso!
Ao logo destes 24 anos, também visitei muitos projetos de outras agências da ONU, e não querendo fazer comparações, a verdade é que, com toda a honestidade, a família UNFPA tem uma entrega à causa que emociona, talvez pela constatação de que os nossos temas não estão, sempre, nas prioridades das vontades políticas e que o esforço para conseguir continuar,é muitas vezes, frustrante.
Mas os resultados estão à vista. O saber e a sensibilidade de quem trabalha com esta agência colocam em prática a frase: “Apoiar uma mulher, é apoiar uma família, uma comunidade, um país “, como ouvi muitas vezes e li em estruturas de saúde, até se colar à minha pele e voz, e assumir como minha e até da minha associação.
Em momentos de maior conflitualidade e tensão social como a que vivemos atualmente no mundo, com movimentos, influencers e partidos políticos anti-Direitos Humanos é urgente não recuar e adaptar a narrativa, é urgente ser empoderada, visível e audível.
E é possível, não tenhamos medo!
A primeira viagem que fiz com o UNFPA foi a Moçambique e lembro-me de conversar com jovens sobre VIH /SIDA e da força da sua vontade. Da certeza de que eles não são o futuro, são o presente.
Em muitas conferências para as quais sou convidada também enquanto Embaixadora doUNFPA, em Bruxelas, Genebra, Almaty, Praga, Lisboa, levo comigo todos os olhares que não esqueço e sou a amplificadora da voz dessas pessoas, para que se façam ouvir nas mesas de decisão.
Mas também levo os ministros a percorrer, literalmente a pé, os mesmos quilómetros que muitas mulheres fazem para poderem ter um parto assistido, com dignidade. Para que eles sintam o que é realmente contribuir para evitar mortes maternas! É uma escolha!
Nunca mais se apaga do coração a imagem de se ter assistido a mortes de mães e bebés saudáveis, porque os cuidados estavam longe, os medicamentos não existiam, ou faltavam profissionais qualificados.
Eu assisti a muitas e nunca mais fui a mesma pessoa.
Hoje a minha filha que tem 17 anos e que foi na minha barriga para Timor Leste visitar projetos do UNFPA, é também uma defensora dos direitos sexuais e reprodutivos e do potencial dos jovens.
Não tinha alternativa.
E deixem que partilhe convosco que em 2023 recebi em Lisboa uma equipa do UNFPA de Timor Leste, onde me dirigi mais tarde, em missão, e conseguimos o contributo de 100.000 €da Cooperação Portuguesa para que o UNFPA avance com a implementação de centros de cuidados básicos de emergência obstétrica e neonatal, espalhados pelo país.
Desejo sinceramente que seja possível ao novo MNE, já este ano, reforçar o apoio dos contributos para o UNFPA.
Temos condições e histórico para ser um doador mais expressivo……250.000 euros anuais para corefunding é manifestamente pouco.
Os dados deste relatório são um apelo desesperado ao reforço da responsabilidade para que se faça mais e melhor, respeitando as vidas de quem tem voz mas que é sistematicamente silenciado, esquecido, ignorado:
- Em pelo menos 68 países, um quarto das mulheres ainda não pode tomar as suas próprias decisões em matéria de cuidados de saúde;
- Quase uma em cada 10 mulheres não pode tomar as suas próprias decisões sobre o uso de contraceção.
- Em 25 países as barreiras aos cuidados de saúde diminuíram mais rapidamente para as mulheres de maior nível socioeconómico e já foram melhores para aquelas pertencentes a grupos étnicos específicos.
- Cerca de 800 mulheres ainda morrem todos os dias durante o parto: quase todas mortes evitáveis. A maioria dessas mortes ocorrem em países em desenvolvimento.
- Entre 2016 e 2020, a redução anual global da morte materna foi efetivamente ...ZERO.
- Um quarto das mulheres não pode dizer não ao sexo com o marido ou parceiro.
- Mulheres e meninas com deficiência têm até 10 vezes mais riscos de vivenciar a violência baseada no género, incluindo a violência sexual.
Sei muito bem por experiência própria, mas também pelo que tenho aprendido com o UNFPA,que são as mulheres as maiores vítimas e a as maiores sobreviventes deste nosso mundo desajustado.
Continuarei por elas a ser o holofote, o megafone e o amplificador da sua voz porque são elas as minhas verdadeiras heroínas.
Não se nasce pobre e sem direitos, nasce-se numa situação de pobreza e vive-se em situação de violação dos direitos.
Por isso é possível a mudança.
Sou uma realista otimista e não irei calar a ativista que existe em mim.
A missão e o trabalho do UNFPA são inspiradores mas sobretudo transformadores da vida de cada pessoa com quem as equipas se cruzam.
Partilho algumas imagens do muito que tenho vivenciado e aprendido, e reforço mais uma vez: histórias das pessoas e casos concretos de impacto, são essenciais para a perceção dos números dos Relatórios, que orgulhosamente continuo a apresentar todos os anos com a equipa UNFPA. Estes últimos anos com a Mónica Ferro, mas desde o primeiro momento e sempre, com Alice Frade, agora na P&D Factor.
Obrigada
Lisboa, 17 de Abril de 2024
Catarina Furtado
Embaixadora de Boa Vontade do UNFPA
Presidente da ONGD Corações Com Coroa
Conheça o relatório aqui: Relatório sobre a Situação da População Mundial em 2024