Maior investimento na educação sexual junto das comunidades imigrantes
- Data de publicação 15 fevereiro 2016
"Em Portugal, existem associações formais e informais de mulheres, de vários países onde existe Mutilação Genital Feminina (MGF), e é necessário que essas mulheres sejam mais ouvidas, e criar estratégias para as envolver de modo a que possam ser as vozes efetivas da mudança", disse à agência Lusa Alice Frade, da P&D Factor-Associação para a Cooperação sobre População e Desenvolvimento.
Sobretudo mulheres das comunidades de países praticantes de MGF, é "fundamental que este trabalho de empoderamento das mulheres das comunidades praticantes seja feito e perceber que estas mulheres precisam de mais conhecimentos", sublinhou.
"É fundamental que o Alto-Comissariado para as Migrações (ACM) tenha um maior envolvimento nas temáticas da MGF e dos casamentos forçados e precoces, exatamente por ser a entidade responsável por todo o trabalho e coordenação com as comunidades imigrantes", acrescentou.
A questão da MGF e dos casamentos forçados e precoces devem ser abordados, tal como a violência doméstica e os abusos infanto-juvenis, nas escolas, em vários níveis de ensino.
"Se não reforçarmos a prevenção, vamos andar sempre a proteger as vítimas e a criminalizar os agressores. Temos que garantir que não aconteça e, ao mesmo tempo, que mulheres e famílias estão confortáveis com os argumentos para dizer não à MGF", sublinhou.
As mulheres das comunidades praticantes precisam saber que esta prática "não está relacionada com religião, não vão sofrer retaliações, que se quiserem ser mães podem ter uma maternidade e um parto mais seguro se não tiver uma MGF".
"É crucial perceber que a MGF não afeta apenas a saúde física, mas também mental das mulheres, bem como a sua realização e participação social", disse Alice Frade.
Por ser uma prática associada ao Islão, a investigadora destacou a importância de um trabalho de informação sobre a MGF com líderes religiosos em Portugal "das várias mesquitas espalhadas pelo país para que atualizassem os seus conhecimentos em relação à prática".
De acordo com o primeiro estudo português sobre prevalência da MGF em território nacional, a maioria dos casos registados em Portugal - 6.576 - são mulheres da comunidade imigrante da Guiné-Bissau.
O estudo foi realizado pelo CESNOVA/CICS.NOVA da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Para a investigadora, a agenda da política externa portuguesa tem que chegar aos países onde existe MGF e/ou casamentos forçados e precoces, "com disponibilidade das entidades oficiais portuguesas para que a MGF façam parte da agenda discursiva".
"É fundamental que os agentes da cooperação portuguesa - entidades governamentais ou organizações da sociedade civil - coloquem a eliminação da MGF nos discursos quando falam internacionalmente de direitos humanos, igualdade de género ou saúde feminina", disse.
Além da Guiné-Bissau, Moçambique regista, em determinadas zonas do país, 'práticas vaginais tradicionais', que não estão relacionadas com o corte dos órgãos sexuais femininos, mas com o alongamento dos pequenos ou grandes lábios.
"Quando Portugal fala na ONU, UE, CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) ou na Conferência Ibero-Americana, deve nomear crimes específicos como a MGF e não se limitar a falar globalmente de violência de género”, defendeu a investigadora.
A nível internacional, a MGF é considerada uma violação extrema dos direitos humanos. Em Portugal, a lei que autonomiza o crime da MGF e cria os crimes de perseguição e casamento forçado entrou em vigor em setembro passado. Na Guiné-Bissau, a MGF é crime autónomo desde 2011.
Portugal tem um programa de ação para a prevenção e eliminação da MGF desde 2009, coordenado pela Comissão para a Cidadania e igualdade de género (CIG), estando atualmente em vigor o III programa de ação, parte integrante do V plano nacional de prevenção e combate à violência doméstica e de género 2014-2017.
Pelo menos 200 milhões de raparigas e mulheres foram vítimas de MGF em 30 países, de acordo com o último relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), por ocasião do Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, que se assinala no sábado.
Fonte: Lusa/Fim